1) Eu no Smart: este é o primeiro texto que escrevo usando no lugar em que antes estiveram caneta e papel um Smart Phone - celular com mania de grandeza. Isso deveria ser um fato tremendo, mas nem me causa espécie. A portabilidade, que seria a grande novidade nisso tudo, pouco importa para quem escreve e não tem a necessidade de enviar o texto com urgência. Ainda não twitto e vejo com desconfiança esse imediatismo da publicação dos textos de cento e pouco caracteres; as chances de escrever o que se quer e ser lido do jeito que não se pensou é muito grande nesse ambiente virtual sem tempo para o necessário amadurecimento da palavra escrita. Sem essa índole imediatista dos twitteiros e blogueiros, chego a pensar que a caneta e o papel seriam mais eficientes nesse momento.
2) Teclo, logo desisto: o teclado do Smart Phone é muito, muitíssimo, pequeno. É "qwert", o que significa que é mais fácil digitar nele do que era mandar mensagens SMS nos celulares de antes. As teclas imitam à s do teclado dos computadores pessoais. Ainda assim, mesmo não tendo dedos de Maguila, tenho dificuldade em ganhar ritmo na digitação. Só é possível digitar com dois dedos, os polegares. Então os dedões ficam disputando o espaço de 55 x 32 mm medidos com régua. Acentuar é uma tarefa complicada que exige a digitação repetida da tecla correspondente à letra que se quer marcar com o acento. É um trabalhinho de relojoeiro. Que me fará, certamente, desistir de concluir esse texto por aqui. Fez...
3) De volta ao futuro-do-pretérito: deste ponto em diante, escrevo no bom e ironicamente velho computador de mesa. Estou ao futuro-do-meu-pretérito. Não me lembro de ter enfrentado qualquer problema de adaptação quando saí da Olivetti para o meu primeiro PC (sem contar, claro, o teclado chiclete do meu TK 83 Sinclair, mas aquele era mais um brinquedo que uma ferramenta de trabalho...). Meu primeiro 386 com Word era muito parecido com a máquina de escrever, com a vantagem de dispensar o Errorex, na época chamado de Liquid Paper. Escrevo aqui como se fizesse isso desde sempre. Não penso para escrever. Simplesmente escrevo. Acho que nem uso todos os dedos para digitar. Deixe-me ver... Não uso mesmo. A mão esquerda é mais habilidosa e escala quase todos os dedos para a tarefa. Já a direita, dá preferência ao dedo médio. Por algum motivo, o lado direito do meu cérebro aproveitou melhor as aulas de datilografia da Escola Industrial de Lins.
4) Muito se escreve, pouco se aproveita: vivemos mesmo uma época curiosa. Nunca se escreveu tanto como hoje. Em todo lugar é possível ver pessoas teclando algum aparelhinho: notebooks, netbooks, BlackBerrys, celulares touch screen. Todos no MSN, no Twitter e congêneres. Todos escrevendo. Nunca se escreveu tanto. Nunca se escreveu tão mal. Mal não apenas no que se refere ao respeito à norma dita culta. Cada meio faz e exige a sua norma. É...normal. Parece ser muito difícil, no entanto, desplugar o domínio da língua da capacidade de expressar ideias através da escrita. Quem domina melhor a língua se expressa com mais desenvoltura. Interessante é que, para usar o computador, todos correm em busca de cursos de informática. Para usar a língua, ninguém pensa em estudar um pouco mais. Compreensível o engodo: a informática não se aprende no berço, já a língua portuguesa (minha irmã caçula falava como locutora aos nove meses de idade...).
5) Por último: é mesmo uma tentação descrever o mundo em nossa volta através de notinhas. Haverá um twitter no meio do caminho da literatura?
Publicitário, professor e diretor do Núcleo Cassiano de Língua Portuguesa. Acha que escreveu, não leu, o pau do ferreiro com ferro será ferido, ou será que alguém mexeu na gaveta de ditados?