Usina de Letras
Usina de Letras
126 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62231 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10367)

Erótico (13570)

Frases (50628)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4768)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140805)

Redação (3306)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Mesma condução, caminhos diferentes -- 30/10/2010 - 15:57 (Alfredo Domingos Faria da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Mesma condução, caminhos diferentes

O motorista do meu ónibus é sempre o mesmo. Não é novidade! Há anos pego o transporte naquele horário, naquele ponto. Sem falhas. Pode estar sol a pino. Pode estar chovendo a càntaros. Estou ali rente que nem pão quente. Ele e o trocador (cobrador) fazem uma dupla infalível. Estranha dupla, mas fiel.
Diga-se, à guisa de explicação, que os ónibus de hoje juntam os locais de trabalho do motorista e do trocador, bem à frente do veículo, facilitando a comunicação entre eles.
"Pirulito" é o motorista. Não sei o seu verdadeiro nome. Tipo contraditório. Gordinho, atarracado, branquelo, carequinha, normalmente gentil, bravo quando necessário. É calorento e acalorado. Não dispensa a toalhinha para manejar o càmbio do veículo. Sua camisa tem a manga curta, curtíssima, enrolada para facilitar. Fala sem parar com todos, sejam passageiros, sejam os motoristas dos outros "carros", como a classe chama, mas principalmente com o trocador.
É grande a sua interação com as pessoas. Não só faz questão de cumprimentar, como exige que os outros o façam, distribuindo saudações. Chega a deixar o seu posto para auxiliar a subida de algum passageiro em aperto.
Resolve sozinho a sua necessidade de tagarelar. Chama o trocador de "Jerómo", invariavelmente. Entendo que quer referir-se a "Jerónimo". Está tudo certo, vá lá que seja. Então, emenda uma conversa na outra, usando o vocativo, ao seu modo, para atrair a atenção do colega, sem deixar escapar nada em volta. Faz as vezes de um cronista. Atento. Sarcástico. Impaciente, todavia ou toda a vida. Sua cabeça parece a de uma coruja, rodando em si. Sinceramente, não sei como consegue dirigir no trànsito caótico do Rio.
Apela para um artifício interessante: não precisa de interlocutor. Não espera resposta para as suas colocações. Vai falando:
- "Jerómo", tá vendo aquele ali? E aquilo lá? Que encrenca, hein? Que fino que aquele cara tirou, quase bateu, minha Nossa! - e assim por diante, sem cessar, em voz alta.
O trocador não se estimula a responder. Ao contrário, cochila a maior parte do percurso. Na verdade, "Jerómo" é o oposto do "Pirulito". Seu rosto não tem expressão. Magro, alto, mulato, sem nenhuma emoção, e friorento. Está permanentemente de casaco, seja qual for o clima. Coloca-se curvado sobre a mesinha do dinheiro, meio que escorregando, pendurado, na condição de proteger-se de qualquer situação ou de evitar contato. Não responde ao cumprimento de bom-dia dos que entram e muito menos corresponde à falação do motorista.
O bate-papo de um só destina uma seção para os assuntos pessoais. A maçaroca é desfiada tim-tim por tim-tim. Não faltam, ao menos, os detalhes de doença e finanças.
Quanto à saúde, chegou a relatar que o médico havia passado uma "bactéria" de exames, variada averiguação para a queixa de dor no abdómen. Não acreditei no que tinha ouvido.
- Seria "bateria" de exames, prezado "Pirulito"?
A engenharia financeira para driblar as dificuldades é contada nas minúcias, dessa forma:
- Neste mês não pago o aluguel. Avisei pro senhorio. O homem ficou bravo, fazer o quê? Andei pra ele... Mas volto a pagar o carnê das Casas Pernambuco, senão me tomam a TV. Agora, tem um negócio no qual não falho de jeito maneira - é o dízimo da igreja. Pago na bucha! Vai que o padre me excomunga?
Mantendo-se calado, as respostas de "Jerómo" vêm por meio do arquear das sobrancelhas, e estamos conversados. Artifício que "Pirulito" não vê, pois está de costas. Eta diálogo difícil!
Na minha imaginação, chego à conclusão de que as personalidades estão de acordo com as funções, se é que houve essa preocupação por parte da empresa.
Lembrando da empresa, mudo o rumo das lucubrações para me divertir com os seus atuais nomes, diversos dos de antigamente, cuidadosamente pintados nas carrocerias, em cores vivas, chamativas. Vemos: "Carolinas" (será que são duas meninas?), Codorna, Matão, Filgueiras (parece nome de farmacêutico), Beta, Carioquinha, Sabiá, etc. e tal.
No passado, essas empresas carregavam nomes mais pomposos, elaborados, do gênero: Auto Viação Baronesa, São Carlos Auto Viação, Expresso Nª Sª de Fátima, Auto Viação Principado de Mónaco, e mais uns tantos.
Voltando às características pessoais dos moços, dou-me ao direito de pensar que o perfil de um motorista de ónibus deve ser realmente da forma como o "Pirulito" procede. O trabalho pede dinamismo, arrojo e estar ligado em tudo, além, é claro, da aptidão e do conhecimento próprio da profissão. Tirando os exageros, o piloto preenche bem os requisitos. Acompanho o seu ofício e não tenho dúvida acerca da perícia e do zelo dedicado às pessoas que transporta.
O trocador, ao ficar praticamente abraçado à caixa do dinheiro, contribui para a segurança; e a mudez constatada pode ser por conta da concentração que a lida impõe, sem que possa haver distração a atrapalhar o controle do movimento financeiro. Há de ser considerada a atual facilidade criada pelos cartões de acesso e o bilhete único, que dão rapidez e tranquilidade, tanto às pessoas, quanto ao trocador. Então, podemos concluir que "Jerómo" está bem na função, cumprindo o expediente como lhe cai melhor, tendo estabelecido um procedimento de proteção a impedir problemas.
Caso surgisse uma troca de funções, aí haveria confusão, aposto! Um não combina, no que posso verificar, com o serviço do outro. É questão de pendor para o que se faz na profissão.
Provavelmente, "Pirulito" não conseguiria fazer um troco sequer, ficaria todo atrapalhado e, talvez, acabasse derrubando ao chão o numerário do caixa. Sentir-se-ia preso no reduzido reservado do trocador. Fico rindo com a visão futura de ele falar à beça, gesticulando, enquanto cata moedas.
Prevejo para "Jerómo" situação distinta, igualmente desastrosa, que daria, pelo incrível que pareça, em coisa alguma, porque não teria condições emocionais de dar partida no veículo. Não sairia do lugar. Ficaria agarrado ao volante, tal qual à caixa do dinheiro, sem se lançar ousado na aventura de atravessar a cidade, disputando espaço e rompendo distàncias.
Bem, um único barco conduz almas diferentes, mas se todos remarem na mesma direção a chegada estará garantida. Afinal, as diferenças acabam somando esforços e ideias e permitindo o sucesso do empreendimento.
Alfredo Domingos Faria da Costa




Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui