SÓ DENTRO DAS QUATRO LINHAS
(Por Germano Correia da Silva)
O último jogo daquele campeonato tumultuado estava quase terminando e a torcida do time da casa já se preparava para comemorar mais um título regional. E aquele árbitro, a despeito do comportamento de outros árbitros da região, era muito “honesto” e decidiu que não era necessário acrescentar um minuto sequer no final daquele segundo tempo de jogo e terminou a partida.
Por incrível que pareça, o juiz que arbitrava aquele jogo era uma dessas criaturas apaziguadoras, incapaz de se meter em encrencas, tampouco em situações delicadas. Era um verdadeiro “juiz conciliador” e procurava resolver todos os problemas e inconsistências esportivas de sua alçada usando o bom senso e por isso era muito admirado por todos os integrantes da federação de futebol de seu estado.
Devido ao seu comportamento ordeiro, à sua sutileza, perspicácia e imparcialidade na resolução das questões que iam surgindo no seu dia-a-dia profissional, dentro e fora dos campos de futebol, algumas pessoas já o tratavam pela alcunha de “juiz de paz”.
Na verdade, a maioria das pessoas de sua comunidade já o tinha nessa conta, mas longe de confundi-lo com aquela “antiga autoridade incumbida de conciliar partes desavindas, processar e julgar cobranças de pouco valor, e praticar atos civis ou criminais de sua alçada, inclusive a realização de casamentos”.
Ele era realmente uma figura exemplar, um verdadeiro “expert” em termos de conhecimento das normas inerentes à sua atuação esportiva, tornando-se, assim, um cidadão bastante conceituado nos bastidores sócio-esportivos de sua região.
Diz um velho ditado que o hábito faz o monge e que a fama ascende e derruba as pessoas que não conseguem administrá-la com humildade. Mas esse não era o caso desse profissional do mundo esportivo, que além de ter ficado conhecido pela alcunha de “juiz de paz”, conseguiu fazer com que a sua atuação comunitária se tornasse bem ativa. E de tanto administrar bem a sua popularidade junto à comunidade onde vivia, até quiseram “escalá-lo” para celebrar casamento civil, como se “juiz de paz” o fosse. Nem é preciso dizer que ele ficou bastante surpreso com aquele convite inusitado, recusando-o, de pronto, com a seguinte argumentação:
- Até que eu poderia fazer esse papel do verdadeiro “juiz de paz” para ajudar a minha comunidade, mas eu não posso confundir as coisas. A minha missão, enquanto “juiz de paz” do futebol, é orientar os jogadores como eles devem realizar suas jogadas, de forma limpa, assim como eles devem fazer para evitar o cometimento de faltas dentro do campo de jogo (as quatro linhas). E para atuar como “juiz de paz” comunitário eu terei de orientar casais na “fiel“ realização de suas jogadas, bem como eles devem agir para evitar o cometimento de “faltas” desleais dentro e/ou fora do campo de jogo (dentro das quatro paredes) de uma convivência a dois... essa é uma missão meio indigesta para um “juiz de paz” esportivo.
- Pelo amor de Deus, me deixem fora dessa escalação! – suplicou.