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Artigos-->Vinte e cinco anos sem Osman -- 29/06/2003 - 13:48 (Nereida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Osman Lins, um dos grandes escritores brasileiros do século XX,completaria 79 anos de idade no próximo dia 5 de julho. Faleceu no dia 8 de julho de 1978, três dias depois de fazer 54 anos.



Para Osman Lins, viver era escrever. O que nos deixou, ao morrer, em termos de romances, contos, crônicas, peças de teatro, artigos e ensaios, daria voltas e voltas ao redor da sua cidadezinha, modesta e pequena então, ao tempo do seu nascimento: Vitória de Santo Antão. Situada a 50 quilômetros de Recife, mais uma vila do que cidade, Osman ali foi feliz por toda sua infância, criado e amado por sua avó paterna, Dona Joana Carolina e sua tia, Dona Laura, irmã do seu pai.



A mãe de Osman faleceu em conseqüência do nascimento do menino, quando Osman-nenê tinha 16 dias. A ausência da mãe, mitigada até os possíveis limites pelas duas mulheres que cuidaram dele, no entanto, ficou marcada por sua vida. Disse ele, em inúmeras entrevistas, que corria atrás do que havia perdido sem nunca ter, que foi o rosto da sua mãe. Ela nunca saíra em foto nenhuma. Possivelmente nem no dia em que se casou com seu pai, o alfaiate Teófanes da Costa Lins. Este, sem perder contato com o filho, casou-se com uma mocinha de quinze anos, depois de uns cinco anos de viuvez. Com ela, deu dois meio-irmãos e duas meio-irmãs para Osman. Viveu a infância de garotos felizes no interior, caçando passarinho, tomando banho em rio e cachoeira, comendo da pescaria, ouvindo histórias dos matutos locais. Ouvir histórias era a especialidade de Osman.



Quem o iniciou no mister paciente de ouvinte atento, foi seu tio, marido da tia Laura. O Antonio Figueiredo era dado a viagens pelo interior nordestino, à cata de ouro, metido no comércio do gado e o que viesse e aparecesse. Ao voltar para casa, trazia dinheiro para o sustento da sua família, constituída da esposa, da sogra e do menino mas, para este, o mais importante era a bagagem de histórias. O tio não se poupava em contar os causos mais trágicos, mais cômicos, mais verossíveis e mais incríveis. O garoto, entre todos à volta do andarilho-comerciante, não se desgrudava dele e pedia mais contos. Haja histórias para a sede de um menino que não podia contar com livros nem revistas naquelas lonjuras da capital, que hoje se percorre em meia hora de Recife.



Osman fez o primário e o secundário na cidade, crescendo com ele. E foi como estudantezinho de grupo escolar que ele conheceu um ex-seminarista, o professor José de Aragão Bezerra Cavalcanti. Do primário ao ginasial, esse homem lhe inculcou espírito de disciplina, ordem para adquirir mais conhecimento, método de leitura e observação de tempo para amalgar tudo isto.



Com ele, Osman completou sua constelação de modelos da sua vida e os consagrou na sua obra literária: a avó aparece na Joana Carolina, na novela "Retábulo de Santa Joana Carolina"; a tia Laura está representada em vários personagens femininos, mas grande parte de seus traços espirituais emerge em Teresa, do romance O Fiel e a Pedra, e em Cecília, em Avalovara. O tio se transmudou nos personagens Bernardo (O Fiel e a Pedra), o Tesoureiro (Avalovara) e Dudu (A rainha dos cárceres da Grécia), enquanto que o espírito do professor permaneceu em todo o ser disciplinado e meticuloso do Osman como escritor. E ao atribuir a seu mentor estas qualidades, ele as divide com seu pai, o cuidadoso alfaiate, riscador de telas a giz, medidor e cortador de panos. A obra literária osmaniana reflete seus cuidados arquitetônicos, em que medida e peso de palavras se contrabalançam com a beleza da armação imaginativa.



Cresceu, formou-se no ginásio. Viu-se obrigado a mudar-se para o Recife. Era o ano 1941, Recife se tornava cidade importante com a guerra mundial. Osman queria aprender idiomas, ampliar seus horizontes. As despedidas lhe foram custosas. Um conto ilustra a dor de separar-se da avó. Está na Internet e se chama "A partida".



Em 1941 entra na casa de um tio, em Recife, ou no Recife, como gostam de dizer meus amigos recifenses. No Recife, prestou concurso para o Banco do Brasil. Ingresso aprovado. O emprego foi uma bênção e uma maldição. Conseguiu libertar-se financeiramente, saiu da casa do tio, foi morar em pensão. Em várias. Conheceu nelas aspectos da vida urbana que levou para muitos de seus contos e narrativas longas. Sacava seu salário, mas os horários e a mediocridade do trabalho o secavam por dentro. Lutou muito para poder se desvencilhar das armações bancárias e poder começar a escrever. A vocação de escrever não era nenhuma novidade na sua vida. Aos 8 anos, cometeu um poema a que deu o nome "Beduíno regenerado pela lua". Com este título, apresentou-o à família, que o rejeitou categoricamente. Motivo? Nenhum. Vai ver poesia não era coisa de menino...



Em 1947, casou-se com uma prima, tiveram três filhas. No Recife, Osman fez contatos, escreveu e publicou. Entrou na Faculdade, fez cursos de Finanças. Desperdício de tempo, mas a pressão das novas responsabilidades lhe acenaram com a ilusão de promoções no Banco. Começa a participar de concursos literários, incentivado por amigos como Gilberto Freyre, Mario Motta, Mario Sette, Olivio MOntenegro, tantos outros, com quem ele manteria contato até que a morte de quem fosse, os separasse.



Ganha prêmios. Publica em jornais. A fama o alcança e ele adora a atenção que lhe dão através da literatura. Para Osman, a literatura foi um cordão umbelical com a vida, a humanidade. Nunca cortou o tal cordão metafórico. Emaranhou-se pela literatura, percorreu todos os angustiantes percursos, labirínticos e misteriosos, da criatividade literária. Diga-o o romance mais bem feito, na minha opinião, na literatura brasileira: o Avalovara. Constitui-se de várias narrativas rebuscadas e simples,ao mesmo tempo, resultantes de um coito fenomenal entre o escritor, o narrador, a narrativa e a imaginação. Publicado em 1973, o romance é tudo o que Osman vivenciou, desde seus humildes tropeços em Vitória de Santo Antão, passando por Recife, São Paulo e, principalmente, sua viagem a Paris, como bolsista da Alliance Française. Avalovara o consagrou. O que tem este romance de diferente? Tem cérebro. Tem estrutura. Tem narrativas imbricadas entre dois continentes, entre mulheres que se parecem e são completamente diferentes, como a Cecília paulistana e uma Roos holandesa. AMbas vão convergir na personagem inominável, a caretinha minúscula que Osman resolveu injetar na história, símbolo de todas as mulheres amadas pelo personagem principal. O apoteótico ato sexual, no final do romance, o galopar dos cavalos, os gritos, as transformações dos personagens, as metamorfoses ocorrendo neles e ao redor deles... Avalovara é obra para sempre. A pernambucanidade e o universalismo da imaginação de Osman estão ali, arrebentando-se pelas páginas de quem escreveu com a secura de um cortador de panos e a paixão de um contador de histórias. Montou um livro dentro de uma espiral imaginária que percorre o "quadrado mágico" que começa e acaba com a palavra "Sator"/"Rotas", um jogo palidrômico que leva ao infinito, pois volta-se e revolta-se no círculo sem-fim de capítulos engendrados pelo toque da espiral em cada letra do quadrado. Como seu conterrâneo Cabral de Melo Neto, Osman poderia ser visto como um engenheiro da palavra. Mas além do poeta, Osman é um romeu apaixonado, pela escrita, pelas mulheres da sua imaginação, pelas avós do mundo, pelas mães mortas.



Sua primeira esposa, a prima Maria do Carmo, não se acostumou com S.Paulo e resolveu voltar para Recife com as meninas. Isto aconteceu em 1963, mas ele e as filhas sempre mantiveram contato desde então, com visitas recíprocas e viagens em comum. Em 1964, celebrou seu casamento com a paulistana Julieta de Godoy Ladeira, e a quatro mãos escreveram La Paz existe?, um livro muito cômico e interessante sobre uma viagem louquíssima que os dois fizeram à região do lago Titicaca, nos Andes.



Osman fez faculdade e formou-se em Letras. Lecionou no interior de S.Paulo, fazendo a viagem capital-Marília duas vezes por semana. Não gostou muito de ser professor, embora gostasse do contato com estudantes. Com eles, encenou sua peça "Milagres das figuras de barro".



A vida literária de Osman ingressou por várias sendas: escreveu peças teatrais que são encenadas até hoje, como "Lisbela e o prisioneiro", "Guerra do Cansa-Cavalo". Outras de suas atividades era publicar denúncias contra as arbritariedades e ganância de alguns editores, o que lhe valeu a antipatia de muitos poderosos no mundo das publicações beletristas. Não foi entendido por muitos críticos, devolvia os insultos, criava-se um caos. Tinha amigos, no entanto, que lhe davam grande apoio e não eram de pouco peso e medida: Massaud Moisés, José Paulo Paes, Vamireh Chacon, Esdras do Nascimento, James Amado, Décio de Almeida Prado, Fábio Lucas, Edla Van Steen. Esta gente toda, entre outros mais, que conviveu com Osman, eram caros para ele e para Julieta.



Qual é o legado de Osman? Na minha modesta opinião, Osman Lins deixou-nos uma responsabilidade: a de cultivar a língua portuguesa nas suas infinitas possibilidades de extrapolar a imaginação e a condição humanas.



Osman Lins, minha gratidão e minha humilde homenagem nestas linhas. Deposito, pela minha imaginação, uma rosa no seu túmulo, no jazigo da Família Godoy Ladeira, em São Paulo, ao lado da mulher que amou tanto na sua vida de homem adulto.

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Obras principais:

Romances: O Visitante (1955), O Fiel e a Pedra (1961),Avalovara (1973), A Rainha dos Cárceres da Grécia (1976).

Novelas e narrativas variadas: Marinheiro de primeira viagem (1963), Nove, Novena (1966), Um mundo estagnado (ensaio, 1966).

Lima Barreto e o espaço romanesco (ensaio, 1976).

Teatro: Lisbela e o prisioneiro (1964),"Capa Verde" e o Natal (teatro infantil, 1967), Guerra do Cansa-Cavalo (1967).

Ensaios e artigos em colaboração, Julieta de Godoy Ladeira (vários, esparsos pela

imprensa).



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Este artigo foi elaborado com base nas seguintes

obras, que recomendo:

"Poéticas em confronto: Nove, Novena e o Novo Romance", de Sandra Nitrini(Hucitec); "Osman Lins: Crítica e Criação", de Ana Luiza Andrade (Hucitec),"As falas do silêncio em O Fiel e a Pedra", de Marisa Simons (Humanitas), "A garganta das coisas", de Regina Dalcastagné e "Osman Lins: Uma Biografia Literária", de Regina Igel (T.A. Queiroz, INL).
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