A cerquinha
O Arnesto, de sobrenome Ribeiro, originário da cidade de Cunha, SP, é um jornalista afamado, respeitado em Taubaté e muito temido na pequena Vila de Água Doce, a única cidade do país que tem uma cachoeira no perímetro urbano e um prefeito bundão no comando. Ali, o Arnesto é muito querido mas, com toda razão, critica as obras mal feitas, manda e desmanda nos políticos incompetentes. Quem diria que, antigamente, e bota antigamente nisso, o Arnesto já foi um seminarista pacífico e convicto? Hoje, da mesma maneira que também já amou o Corinthians, hoje é um palmeirense fanático, morador de uma zona nobre em Taubaté. Naquele tempo distante as procissões de rua eram mais freqüentes, mais numerosas e populares, as ruas e praças explodiam de tanta gente —até parecia que o povo tinha mais fé nos milagres dos santos do que tem hoje. Os caminhantes da fé seguiam lentamente, bem lentamente mesmo levando o andor colorido em direção à catedral.
Naquele tempo, o Arnesto era um menino muito esperto, mas sofria de uma incontinência urinária severa. Durante as procissões, intermináveis e demoradíssimas, ele não suportava a vontade de urinar e se aliviava sob a batina, em meio aos fiéis contritos e desatentos às fisiologias humanas, ali no meio da rua mesmo. A longa batina era usada pelo menino Arnesto como sendo uma “cerquinha”, —um biombo transportável e providencial, invenção do próprio coroinha. Quando a procissão andava, ele também andava e deixava atrás de si, no preto do asfalto, uma mancha úmida —uma estranha roda de espuma amarela e suspeitíssima...
Mas o Arnesto acabou fazendo escola. Um dia, na demorada procissão de São Bartolomeu, coisa que não ocorre mais, o povo observou que o “senhor” bispo parecia estar superconcentrado nos cânticos e nas orações do momento. Mas era um doce e ledo engano: o “senhor” bispo estava era imitando o Arnesto. Quando a procissão e o homem de fé se moveram, os fiéis atônitos viram todos surgir no chão, bem atrás dele, uma roda amarela e gigante de urina circundada de espuma. O santo homem tinha gostado da idéia do coroinha e resolvera usar também a longa batina como “cerquinha”... Imaginem se essa moda pega!... É como diz, sabiamente, o craque Michela: “Passarinho que acompanha morcego acaba dormindo de cabeça pra baixo...”
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