nas folhas amareladas e empoeiradas tentava driblar o mau programa de televisão. poderia mudar de canal, se estivesse em casa. mas não estava. poderia ler revistas, mas havia poucas opções, lidas e relidas até o enfado. poderia conversar sobre alienação do trabalho, mas estava acompanhado de alienados. pensava em clarice. Algum crítico perguntou se sua obra era alienada, mas concluiu que sua obra apenas reflete um cotidiano alienado.
ser menor. ser mais um. um cpf, uma rg, um título eleitoral a mais. essas coisas lhe perturbavam. lera o manifesto contra o trabalho. acessara o site do grupo krisis. conhecera os situacionistas. juntara dinheiro para comprar guy debord, mesmo numa edição barata papel-jornal de livraria. escrevendo essas coisas e suas companhias pensando no show do milhão. comentavam os 10 mil reais do 1º prêmio. reformariam a casa com a metade. com a outra metade comprariam um carro usado. perguntaram pra ele o que faria. perdeu a concentração nos escritos. pensou um pouco. pagaria umas dívidas ligeiras de cartão de crédito com 10 dias sem juros e compraria um computador com todos os acessórios. estranho. começou a pensar em marx. a teoria do valor. 10 mil reais era a reforma da casa, um carro usado para um. um computador para outro. o que era realmente 10 mil reais? por que essa soma era tão inatingível? quantos metalúrgicos foram necessários para fazer o carro? quantos operários davam conta de um computador com todos os acessórios? sim! literatura ou sociologia? depois de alain robbe-grillet e almeida faria não tem certeza.