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cronicas-->Sorrir com os olhos -- 18/01/2011 - 20:25 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sorrir com os olhos

Aroldo Arão de Medeiros

Ela foi alegre desde muito pequenininha. Só parou de sorrir, de brincar, quando completou cinquenta anos. Não foi no dia exato do aniversário de meio século de existência. Não foi nada determinado, apenas algo que, aos poucos, tornou-se evidente, lentamente transformou-se numa característica, num sinal.
Há quem tente explicar os motivos que a levaram a deixar de ser animada, comunicativa. Mas ninguém consegue. Uns dizem que tudo mudou depois do falecimento do pai. Outros afirmam que foi após a separação do filho. Há ainda os que querem colocar a culpa no marido, assegurando que a aposentadoria dele fez com que ela ficasse rabugenta. E desenvolvem a tese de que antes, quando ele trabalhava, vivia viajando e não estava sempre incomodando dentro de casa.
O que distinguia Sandra na infància, na juventude e mesmo na idade adulta era muito diferente do que ela demonstra hoje. E, se há motivos, só a ela interessam. Ela não revela nem reparte com ninguém. Pode ser sua melhor amiga, que ela não abre o jogo.
No colégio, quando menina, era a que mais falava na sala de aula e no recreio. Todos queriam brincar e estudar com ela, porque não haveria tristeza e aprenderiam sorrindo. De tanto falar - ou seria berrar - com a voz esganiçada, ganhou o apelido de Gralha.
Brincava como se fosse um rapaz sem perder a feminilidade. Brigaria se preciso fosse, não levando desaforo para casa. Trocando em miúdos, sabia se defender. Mas era notório também que esbanjava capacidade de distribuir carinho e consolo a quem precisasse.
O tempo foi passando, ela crescendo e as brincadeiras infantis de esconde-esconde, amarelinha, barra manteiga, pega-pega, estátua, jogo de bola, pião ou bolinha de gude, foram desaparecendo de seu cotidiano. Reparem que algumas brincadeiras eram praticadas mais por meninos, mas para ela não havia diferença, tudo a deixava contente e ai daquele que não a permitisse participar das competições típicas de varões.
Sandra aprendeu a cavalgar e o fazia com extrema maestria. Ordenhar as vacas não era castigo e sim um trabalho agradável. Foi esse hábito que a fez tomar o corpo que hoje tem. Dizem que foi por ingerir, todo santo dia, o primeiro leite retirado, que ela manteve uma saúde de ferro. Sabe-se que o colostro é fundamental no sistema imunológico, protegendo o recém-nascido contra doenças.
Mocinha curtiu a fase dos bailes, das festinhas e dos namoros. Ela comparecia a todas as reuniões festivas, mesmo as que ficavam bastante afastadas. Se não conseguia companhia, seguia sozinha pedalando a bicicleta. Quando a irmã resolvia acompanhá-la, iam a cavalo. E se o baile era um evento maior, com uma produção musical de renome para a cidadezinha do interior onde vivia, imperdível para a moçada, ela seguia de charrete com as amigas.
O pai não se preocupava com ela, porque sabia que mesmo com seu jeito espevitado, era moça responsável. Nos salões, ao som das violas e acordeões, destacava-se como excelente dançarina, chegando a ganhar concurso na cidade.
Coitada, um dia se apaixonou pelo Aurélio, e desaprendeu o que sabia fazer com perfeição: dançar. Hoje, a outrora exímia dançarina faz os passinhos triviais, o dois-pra-lá-dois-pra-cá e, mesmo assim, não poucas vezes sente o pé do amado pisando desajeitado sobre o seu.
Casou-se com o Aurélio e a vida seguiu um caminho sem espinhos. Tudo era festa. Saía com ele para onde quer que a convidasse. Passeou nos mais antagónicos lugares. Ia feliz a todos, fosse o Rio de Janeiro ou Videira. Conheceu a banda pobre da Argentina e o quinhão turístico de Piratuba. Percorreu, com Aurélio, parques aquáticos e praias gaúchas.
Pela primeira vez, com ele, viajou de avião. Foi ao Ceará e curtiu tudo o que podia. Fez também um cruzeiro de navio até a Bahia, onde conheceu o Pelourinho e saboreou a apimentada comida baiana. Enfim, conheceu e gostou de muitos lugares e passeios.
Hoje tudo mudou. É só ouvir o convite - Vamos passear em tal lugar - e a resposta é invariavelmente um Não. Independe de onde seja. Conhecer parte da Europa, circulando por lá durante vinte dias ou ir a um Resort em Porto Seguro. Para ambos os convites, a mesma lacónica resposta: Não. Só viaja para a cidade onde nasceu ou para a cidade onde nasceu Aurélio. E, mesmo assim, em ambas vai meio na marra.
As famílias, dela e do marido, estão esperando um milagre: que ela volte a ser como era antes. Só de imaginar que Sandra retorne a ser a mulher alegre que foi durante quase toda a vida, todos já ficam radiantes. Porque todos se sentem um pouco culpados, pois ninguém sabe o motivo de tanta tristeza e, frequentemente, se perguntam: Onde foi que eu errei?
Parece que tudo pode se transformar, porque ela resolveu fazer duas coisas que mudarão seu rosto. Vai implantar três dentes no lugar dos que estavam um pouco desgastados. A primeira diferença é que, quando sorrir - e espera-se que seja sempre - poderá mostrar a dentição branca se destacando entre seus lábios carnudos.
Logo em seguida fará uma cirurgia para correção das pálpebras. E, se depender das rezas, vindas de todos os parentes, ambas as cirurgias serão um sucesso.
Todos esperam que ela volte a sorrir com dentes novos. E também que nos sorria com os olhos.


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