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Cronicas-->A CAMINHO DO PESSEGAL DAS BATOCAS -- 19/04/2011 - 16:19 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A CAMINHO DO PESSEGAL DAS BATOCAS
João Ferreira
Agunchos, 19 de abril de 2011

É uma viagem que não concluí mas vou contar. Estou em Agunchos, aldeia transmontana, junto ao Tàmega, na raia do Minho. A auto-estrada A-7 vem de Guimarães, passa ao lado de Mondim de Basto, atravessa o rio Tàmega e chega a Agunchos por um amplo viaduto de moderna engenharia com a altura de mais de cem metros. Esse viaduto assenta uma base na banda do lado de lá, em Brumela e outra do lado cá já nas terras de Agunchos. Por baixo passa o rio Louredo. Quando termina o vão do viaduto, a estrada roça o bairro moderno de Prados, com vistosas habitações e moradias construídas pelos emigrantes com o dinheiro que ganham ou ganharam nos países de imigração européia preferidos pelos portugueses e que são: Suíça, Alemanha, França, Espanha e Luxemburgo. A estrada segue beirando a freguesia de Cerva, por Santa Eulália, pela Alvão fora, até Vila Pouca de Aguiar.
Esta tarde resolvi visitar a área onde se situa a plantação de pêssegos do Toninho do Pereira, meu amigo de infància e meu companheiro nos bancos da escola de D. Ermelinda. O pessegal fica lá nas margens do Louredo com os fundos voltados para o viaduto da A-7. Fui a pé. Mas não cheguei. Quando beirei a casa da Maria do Marinheiro, junto às alminhas, é que percebi que estavam caindo umas pinguinhas de chuva e que o céu estava escurecendo e as nuvens móveis se encastelando. Não levei guarda-chuva. Parecia-me uma ameaça leve e continuei a caminhada. Virei pela estradinha calcetada que vai para as Batocas, onde o Toninho tem o pessegal. Encontrei no trajeto gente cuidando das hortas e passei pela pequena estação de tratamento de esgoto da terra. É verdade. Agunchos é uma aldeia que embora interiorana situada entre montes e serras tem tratamento de esgoto e também lixeiras com seleção técnica de lixo, supervisionadas pela Càmara Municipal de Ribeira de Pena. Certamente que isto é um avanço. Para mim, que nasci aqui e vivo longe em terras do Brasil, achei a novidade muito positiva. Estou tendo por isso o cuidado de registrar com minha máquina as bocas e tampas de saneamento, pluviais, eletricidade e telefone.
Então, dizia, para chegar às Batocas meti pela estrada empedrada que passa junto à estação de tratamento de esgoto e me aventurei pelo pinhal dentro. Quando eu era miúdo vinha por estes lados buscar gravetos e lenha. Mas depois de mais de sessenta anos de ausência não teria mais condições de identificar uma mata que se renova e que sempre tem elementos novos. Na década de 1930 havia uma intensa extração de resina nos pinhais de Agunchos. Era um tempo diferente. O pinhal de hoje é outro. Os pinheiros são de outra geração mais nova. Fui andando e a chuva que era inofensiva tornou-se insistente. Tinha levado um casacão impermeável, mas ficava impedido de usar meus dois auxiliares de registro que são a máquina fotográfica e o caderno de apontamentos. Entre pinheiros, carvalhos e alguns eucaliptos e sobreiros fui andando. Mas a chuva teimava e minhas orelhas já pingavam. No percurso não encontrei nem casa nem gruta. Só mata. Só árvores. E estas embora altas não tinham copa para abrigar. Em sua maioria, pinheiros sem grandes possibilidades para me socorrer. Fui olhando e escolhendo. Me pareceu que os pinheiros eram mais acolhedores do que os carvalhos jovens que por ali havia. Me aproximei de um mais adulto. Passei depois para outro e consegui setenta por centro de abrigo. Agora ali era meu ninho de passarinho. Chovia. Mas achei fantástico. Podia olhar e sentir toda a natureza que por ali se expandia tranquila e com voz sem agressões. Recolhido debaixo de um teto de caruma que fazia de copa do pinheiro eu me deleitava agora. Os pássaros tinham silenciado.Não havia nem pio de nada. Só o chuá manso da água caindo nas folhas das árvores. Era uma poesia dada de graça. Tinha a sensação de ser uma criatura entre as outras vivendo um destino comum irmanado na natureza. Sentia tudo poeticamente porque minha situação ainda era cómoda. No momento estava protegido pelo pinheiro e pela minha jaqueta embora os pés já começassem a estar invadidos pela água. Adorei esses momentos. Ainda puxei da máquina para filmar mas recolhi-a novamente por temer molhá-la e complicar minha documentação. Curvei-me encostado ao tronco do pinheiro e puxei de meu caderno. Queria escrever. Diante dos olhos só via troncos e caruma de pinheiro. Queria tomar nota de alguns nomes de realidades montesinas: o cenário eram as giestas gigantes amarelinhas cobertas de flor, os tojos gigantes também de amarelo, as carquejas grandes brotando em flor, urzes roxinhas, queirogas, torgas, codessos gigantes, musgos nos troncos, nas pedras e em certos sítios do chão. Por ali, em torno. brotinhos de tojo verdíssimos e vitalizados, fetos verdes da família das avencas, pequenas pedras musgosas. No chão mais caruma, raros cogumelos, leitugas pequenas medrosas compondo o ambiente. Meus olhos se espraiavam mas os óculos iam ficando embaciados. Nada impedia que na alegria deste banquete natural meu espírito rejuvenescesse pelo sentido que dava ao tempo e à circunstància. Estava no monte da Lomba, no pinhal de minha infància onde vinha buscar lenha na companhia de minha mãe. Estava me reencontrando com a paisagem e com o meio. Com as lembranças também e com a chuva e avivava com isso a sensação da luta que também travei aqui como criança pobre.

João Ferreira
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