O homem é o lixo do Homem
A tremedeira ainda não passou e eu, vendo o tempo passar, lembrei da mais célebre frase de Hobbes: "O homem é o lobo do homem" e depois disso, mesmo que com dificuldade para digitar, não pude me omitir de escrever um pouco. Talvez tudo pudesse ser diferente, tudo poderia, tudo poderá, tudo pode... Poder, esse, com certeza, é o verbo mais conjugado, julgado e subjulgado tanto pelas bocas feridentas quanto pelas fedorentas; a diferença é que as bocas feridentas nunca sentem o seu sabor...
A regrinha é "pode tudo, desde que esse tudo não invada o limite do tudo de outro"; porém, o mais engraçado nesse raciocínio é que esse "tudo" a que a regrinha se refere é tão abstrato quanto o "outro" que ela diz ser o limite. Sem eufemismo, vamos traduzir essa "regrinha básica" de forma mais nítida: pode tudo, desde que esse tudo não invada o limite do tudo de quem dita as regras, de quem diz o que é certo e o que é errado, o que é feio e o que é bonito, o que é inteligente e o que é burro, quem é trabalhador e quem é vagabundo, quem é honesto e quem é delinquente, o que é adequado a se fazer e o que é inadequado, ou seja, o minúsculo grupo com interesses comum que se apropriam daquele verbo citado acima, cabendo ao resto apenas a sua pronúncia, e, em defesa dos seus interesses particulares, semeiam a sua forma de enxergar o mundo como sendo a mais avançada, o caminho mais sensato, o trajeto da temperança e da retidão, da visão de mundo plausível, do ÚNICO E VERDADEIRO CRITÉRIO.
Pois é, quando alguém começa o seu discurso com esses aforismos pode ficar com a pulga atrás da orelha porque, mesmo que seja a pessoa mais delicada do mundo, a mais singela, a que te trata com mais carinho; se acaso você for caracterizado como "o mal", as coisas mudam completamente e o destino mais provável para você será o sacrifício, a morte dolorosa para que sirva de exemplo para o outros; em suma, você se tornará o bode expiatório para a propagação do medo, do clima de ameaça, da punição.
O vôo da liberdade só pode ser alçado por aves que perceberam que só se pode fazê-lo sem penas. A depenação não é penumbra, é liberdade.
A tremedeira não é só de medo, é de neurose; não é só receio, é pânico, é terror. E a minha não é de covardia, é de medo-coragem. Medo de que haja muito sofrimento até que a humanidade perceba que a racionalidade criou a barbárie, e coragem porque, mesmo contra tudo e contra todos, é necessário, mesmo que com crises nervosas e tremedeiras intermitentes, que se encare esse aspecto que é o motivo da nossa hegemonia, mas quando unilateral torna-se um monstro: a RAZÃO.
Thonni Brandão
2003 |
