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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (7) -- 13/09/2011 - 11:52 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (7)

Um cidadão conhecido, meio grogue de cerveja, me chamou e indagou de pronto: "professor, que quer dizer a palavra étre?". Meio hesitante e inseguro ele repete a pergunta, dando-lhe outras variações. De início, prudentemente, perguntei-lhe como se escreve tal palavra. Mas no fundo, desconfiei que se referira a éter, termo da língua portuguesa. Explicar de modo científico, segundo exigiria a regra, seria no mínimo pedante. Mesmo porque o termo já foi sepultado pela experiência Michelson-Morley (Albert Michelson (1852-1931), confirmando a inexistência do éter no cosmo e ganhando o prêmio Nobel de Física de 1907.
Ficou bem mais fácil pra nós dois, explicar ao próspero e pançudo cidadão que éter é uma substància que se vende nas farmácias sob receita médica e que impregna o ar dos hospitais com seu aroma inconfundível.
Tal pergunta me fez a mim refletir sobre o código de ética da pessoa comum, semi-analfabeta, como ele próprio fez questão enfática em se afirmar.
Já nos conhecíamos de algum tempo e, pela fama de herege que ganhei na comunidade, fazia-se propício o momento pra que o homem, me abordando aleatoriamente, extraísse-me o verdadeiro sentido da palavra heresia.
No andar da carruagem e em face de estar diante de uma dupla de bebedores sabatinais, vi-me na circunstància de explicar aos dois, o porquê não creio em nada que venha do sobrenatural. Bombardeado pelas clássicas questões do teísta convencional, houve por bem esclarecer os pontos que se me convinham, a começar por dizer que caráter não é definido necessariamente por alguma crença em deuses, messias ou em outras crenças correlatas.
E fiquei muito mais surpreso quando, ao responder algo sobre quem teria feito o mundo como ele é, o interlocutor número dois ao se julgar bom ouvinte, ter engolido a corda sofismática que lhe impus, afirmando que quando as coisas vão bem ou mal ele sempre dá graças a Deus, indistintamente.
Não sei se o fez por cortesia ou inconsciente aceitação ou se foi simplesmente pelo fato de desconhecermos os três, a real função do Deus onisciente.
Nessas conversas ditas de botequim, tenho aprendido bastante, mormente no que se refere a ouvir mais e falar menos, utilizando um suposto método maiêutico despretensioso, mas muitas vezes eficaz.
Mas o susto maior estava por vir. Lá pela metade do triálogo, fui indagado sobre o que achava das marchas que acolhem multidões, especificamente a marcha gay. Respondi que nada tenho contra, mesmo porque quem garante as marchas pacíficas, independentemente de seu conteúdo, é a constituição federal. E imediatamente asseverei que, como cidadão hei de reconhecer que inclusive a inócua marcha para Jesus, tem que ser garantida por todos, visto ser constitucional e uma conquista democrática.
O cidadão número dois, um homem de quem já utilizei os serviços de frete, me disse que não dirigiria com efeito etílico e sendo assim, convocara incontinenti o filho menor de dezessete anos, para pilotar seu bólido Chevrolet, uma surrada caminhonete do século passado. De imediato perguntei se o filho é habilitado, no que ele respondeu de pronto que não.
Por aí dá pra se ter uma leve noção do que o homem comum, crente no sobrenatural, torna irrelevante as leis naturais que afetam a vida cotidiana. No seu modo de ver, o machismo no incentivar o filho menor no comando de uma máquina, é tão ou mais importante do que alimentá-lo bem e tentar dar a ele uma educação pé no chão, conforme manda o figurino natural.
E ouvi todo esse discurso com muita paciência e destemor, nos meus mais de sessenta anos de pé na estrada.
Coroando o sábado de fim de inverno, vem a melhor parte da conversação: um interlocutor já exaurido e de saco cheio por me ouvir desprezar o pai que, advertido pelo Deus onipotente, manda-o imolar seu filho menor para que pudesse provar seu verdadeiro amor. Essa pérola de ensinamento está no velho testamento que fiz questão de declarar cruel e machista.
O motorista, de nome Dionísio (terá sido mera coincidência?) pós as orelhas ainda mais de pé, quando afirmei que uma prova de amor seria um pai, ao ver seu filho ameaçado por um tiro iminente de arma de fogo, atravessar em frente à bala, salvando-lhe a vida.
Nosso homem, em toda calma e superioridade que são peculiares naqueles que não sabem precisamente o que dizem, disparou de lá: "mas aí é pura burrice do pai, não acha?"
Olhei os dois companheiros de mesa, paguei-lhes uma cerveja gelada e saí com um ar abobalhado de quem tenta ganhar tempo durante uma mera conversa de um sábado qualquer.

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WALTER DA SILVA
Camaragibe, 11 de setembro de 2011

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