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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (22) -- 27/05/2012 - 07:31 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (22)

As frases são às vezes as mesmas e traduzem a suposta fé dos seus autores. Algumas preenchem quase totalmente os vidros para-brisas do veículo, independentemente do modelo e do status socioeconómico do proprietário. Estão em toda parte por onde se possa transitar, fora e dentro do território nacional.

Parece que tudo funciona como uma espécie de pacto inter cristão, ainda que não representem todas elas, as frases, uma unanimidade entre seitas e correntes. É muito provável e isso não me foi possível pesquisar, que nas camadas mais altas das classes sociais, a forma de adorar um deus, ou abraçar uma crença, não se manifeste necessariamente no mesmo formato. No entanto, aqueles que não se dão o luxo de afixar dizeres que exprimam sua devoção, corroboram a ideia e a defendem, porquanto façam parte de uma mesma tribo e pensamento.

Resolvi fotografar com um aparelho do modelo 3G, as frases que vou encontrando, de modo espontàneo e sem muito rigor cronográfico. Algumas me soam um tanto incompletas em sua estrutura, como por exemplo: "Jesus disse: eu sou!" É provável que o autor se reserve o direito de saber o adjetivo que viria a seguir.
Embora, das tantas que me compraz observar, por empatia, eu decerto faria de outro modo. A saber: "Deus é fiel".
Ora, se se aprofunda conceitualmente a figura divina, é bem possível que se eu fosse crente, colocasse: "Deus é!", ao modo da concepção chardiniana(*)e para ver se conseguiria evitar o tamanho peso antropomórfico da frase, considerando sua admissão na espécie canina.

Certa feita, ao passar rapidamente, o cérebro não registrou o que os olhos viram. Numa moto, pintada em itálico na superfície do tanque de combustível: "Presente de Deus". Não sei bem porque, mas li quase que inconscientemente: "Presunto..." Depois da ilação, ri de mim mesmo.

Sem dúvida, que cada frase representa não somente a extrema vontade de auto identificação com o cristianismo dos dias correntes, mas uma razoável ansiedade de exibir seu totem, ainda que pleno de equívoco. Um exemplo disso está na frase: "Propriedade exclusiva de Jesus". A julgar pelo que está narrado no novo testamento, trata-se em boa medida, de um grave equívoco e uma extrema contradição.

Como todos sabem, o Jesus da escritura sagrada (ao menos para um analista social), era uma espécie de agitador político, um tanto histérico mas diga-se por justiça, um pária, um desvalido sem teto, sem identidade nacional ou possuidor de algo mais além do que seu próprio roto vestuário.

Depreende-se, no entanto, que tal frase expressa a pouca autonomia de quem dirige o veículo e sua vida, delegando, por alguma espécie de convicção extraordinária, a propriedade do automotor, a alguém que sequer tivera uma casa para morar, ainda que possuidor de um gene divino.
Todas as manhãs na caminhada, observo outro que passa apressado e a exibir no vidro traseiro, ocupando todo o espaço em letras garrafais: "Jesus está voltando: prepara-te".
É curioso saber que, se indagamos a um protestante (opps, evangélico) o porquê de ele crer tanto que o messias voltará, ele simplesmente responder que está escrito, mas contraditoriamente continuar a praticar os mesmos hábitos de antes: mantém a mesma vaidade pessoal, planeja as férias com a família, troca de carro e de geladeira, aplica as economias na bolsa, etc.

Se a iminência é tão urgente, como as coisas continuam como dantes? Aliás, por prudência e imparcialidade, fui eu mesmo verificar que no início, logo depois da ressurreição, o próprio messias advertiu que o advento estava próximo, que sua vinda era iminente. Bem, à luz do cálculo simples sobre se dois mil anos seriam de pouca monta, é muito provável que a maioria de nós concorde que não é tão pouco tempo assim.

Fosse eu um contrito e moderno cristão, jamais afixaria num veículo automotivo, alguma frase. Confesso que já tive ganas de bordar numa camisa T shirt, uma frase como: "religião faz mal à saúde: papa só de aveia". Mas me limitei a fazê-lo uma única vez e concluí que ninguém, quase ninguém lia o que estava escrito. Afinal de contas, para aproveitar o ensejo e o envelhecer, estou me dando conta de que felicidade reside apenas em alguns momentos felizes, já que o homem feliz, por si só, não possuía sequer camisa.


(*)Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês.
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WALTER DA SILVA
Sobradinho-DF, 26.05.2012
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