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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (25) -- 21/06/2012 - 12:29 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (25)

Fobosofia, etarite, depita. Parece presunção de neologista amador. Frasista também não sou, embora desde sempre me agrade seguir um pouco o mestre Millór. Os velhos dicionários anteriores à reforma ortográfica, não contêm os novos termos sequer no Houaiss.

Essa insaciável última flor do lácio, talvez nem tão inculta, porém bela, se alimenta da voz do povo. Ao me acusar filósofo, um amigo dos anos cinquenta, maestro e músico, lisonjeia-me mas não faria jus à profissão. Sem recusar de todo o epíteto, assegurei-lhe que sou apenas um filósofo amador, vivenciador e defensor das belas-letras. Por suposto, e por algum ofício, resta-me amealhar o que ouço nas ruas em minha peregrinação literária.

O primeiro termo, mais palatável de se decodificar, trata do avesso do pensador, do homem pensante. Seria quiçá um inimigo figadal da filosofia, tal como fazem os inimigos da poesia, que tacham e tentam humilhar os artesãos da palavra, com a alcunha de vadios, desocupados e quejandos.
Não me ocupo nem me preocupo com essas ofensas, que aliás nem as julgo assim, porque desde tenra idade me acometi do dom, até hoje cultivado. Aos dez anos, num aniversário no subúrbio da zona norte, Campo Grande, meu pai, de modo megalómano, resolveu fazer a festa com alto-falantes, daqueles de metal acinzentado e berrantes. Nunca entendi seu gesto, além do amor que me devotava. Tampouco sei se havia algum ambientalista profissional por perto.

Sob o olhar sádico dos convivas e debaixo da maior intimidação, resolvi cantarolar entre aplausos aterradores, uma música que havia "tirado" durante a semana, nos intervalos da pelada na rua do Rio, hoje infestada pela poluição da máquina automotiva. Cantei, me lembro bem, choramingando, mas cantei. Não me force a memória o ínclito leitor, porque não poderia/saberia localizar em qual dos arquivos ou pastas, está preservada minha primeira experiência musical analógica.

Dona Ivone, minha bela e branquela professora do primário no Grupo Escolar Clovis Bevilaqua, gostava dos meus ralos e insípidos textículos no cumprimento das composições infantis. (E isso me lembra o mestre Millór).

Voltando à vaca-fria, hei de reconhecer que etarite é um termo que inventei, consoante porque atingi os quase setenta anos. Qualquer leitor de boa-vontade vai sacar na hora que se trata de uma suposta inflamação proporcionada pela idade, na velhice, bem se diga. Então, sugiro que quando você, meu caro e velho amigo, chegar diante de um médico desconhecido e impaciente pelo baixo salário que amealha, perguntar "que é que tu tens?", responda-lhe altivo: "Etarite, doutor". Sua etiologia - que é um termo não inventado por mim - será quase de todo desconhecida, ainda que pairem nos compêndios médicos, algo semelhante. Se o tal "rapport" for catalisado por um esculápio de bom-humor, é muito provável que vocês dois se tornem amistosos e, quem sabe, possam vir a ser amigos, somente porque o homem (ou a mulher) de avental branco, terá identificado em você, uma pessoa de alto astral.

Depita, para fechar este pretensioso texto, surgiu quando da construção da casa onde moro. Dentre os operários de boa qualificação profissional, havia um que desde o início me chamara a atenção. Era um negro musculoso, estatura baixa, diuturnamente risonho e de uma disposição leonina.
Certo dia, ao comentar um detalhe da obra, que era gerenciada por mim já em sua conclusão, veio-me a dúvida sobre como solucionar um dado problema de hidro conexão. Diante de um Carlos preto, seguro de si e proativo na medida exata, ouvi a seguinte frase:
"Tem pobrema não, dotó, nós depita". Mas não imagine que foi a pronúncia errada que me chamou a atenção; Não. Foi o último termo. Ao me ausentar, saí dali seguro de que Carlos preto resolveria a contento, mas cabreiro fiquei eu, o dono da obra, com aquela palavrinha estranha, inaudita.

Não seria prudente ir à biblioteca consultar um Caldas, ou um Lello, ou o próprio Aurélio. Senti-me desafiado e empolgado, porque desde aquele instante, inclinei-me a correr atrás da língua usada nas ruas, pelo povo ignaro e criativo. Súbito, como num problema de xadrez no qual alguém se debruça, no uso da tentativa e erro, gritei "EURECA"!
Deduzi que, na impossibilidade de pronunciar "adapta" por alguma razão sistêmica e muito menos por não saber dizer "adapita", nosso homem foi mais além e largou conscientemente esse neologismo que me honrou conhecer.
Daquele dia em diante, venho me interessando pela origem das palavras, seu significado e suas relações de parentesco com outras locuções, com a mesma avidez com a qual me debruço num bom prato de salada, feijão e arroz integral.
___________________________________________________________

(p.s. - esse texto é in memoriam do meu dileto cunhado POMPEU FIGUEIREDO DE CARVALHO, o arquiteto que projetou a modesta casa onde resido).


WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
21.06.2012
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