VELAS AO LARGO
Maria José Limeira
Quando eu for embora
desta cidade,
não sentirei saudade.
Levarei comigo
minha ambigüidade
e plano de igualdade.
Colocarei no alforge
o que não foge.
Tudo bem guardado.
A boneca de louça,
de olhos meigos e serenos,
não farei por menos.
Seguirá no fundo da mala,
no meio de outras tralhas.
Embora sem fala.
Pelúcias, casa de bonecas,
camisa de batizado.
Tudo bem dobrado.
Sairão do esquecimento,
de baús antigos,
fantasmas queridos,
roupas de seda,
calcinhas e vestidos.
Camisola quente
sairá do dormente.
Gozos compartilhados.
Todos bem gozados.
Sonho adolescente
já realizado,
também vai junto.
Levarei coisa à toa.
Vida numa boa.
Lembrança encantada
partirá de madrugada.
Tudo junto comigo,
aqui no umbigo.
Paz, união.
Pássaro, sol a pino.
Som e desatino,
bem embalados.
São presentes louvados,
em farta distribuição.
Que darei de coração,
lá, onde eu chegar.
A quem me estender a mão.
Aos que aqui me feriram.
Aos que não pressentiram
quem de fato eu era,
deixo de presente,
nesta primavera,
minha desesperança,
que não tem mais jeito,
e todo o mal-feito
jogado fora do peito...
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