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Cronicas-->Morte de uma personagem -- 21/07/2012 - 08:34 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Morte de uma personagem

Aroldo Arão de Medeiros

Tenho estado taciturno, acabrunhado, macambúzio, merencório. Creio até que ando com outros adjetivos que nem sei, mas todos significando que estou triste, muito triste. Morreu a melhor personagem de minhas Cronicas. Ela já havia me deixado para sempre na crónica intitulada "A neta". Dei bobeira, larguei sua mão, ela tentou atravessar a avenida e um carro a atropelou, matando-a. Era ficção. Mas agora ela me deixou mesmo estando viva.
Amava-a como se fosse minha filha. A filha que não tive, presenteado que fui apenas com filhos homens. E ela correspondia a esse amor. Estava sempre a me beijar e abraçar. Dormia comigo sempre que podia.
As frases com que ela me mimava, me faziam venturoso: "Quando eu crescer, quero casar contigo", "Eu sou uma gatinha e o vó é um gatinho" e "Sabem de quem eu gosto mais? Do vó, da mãe, da vó e do pai".
Em outro registro de fatos que aconteceram conosco, intitulado "Meu primeiro carro?", que está publicado no livro Panela de Cronicas, assim com a mencionada anteriormente, ocorre o seguinte: todo mês dava-lhe um regalo. Resolvi mudar e esquivar-me daquela obrigação mensal da compra do presente, mas em compensação disse que daria tudo o que pedisse. Ela, sem cerimónias, pediu um carro. Garanti que daria.
Em "Mensagem de Aniversário da Clarice" ela, em vez de me dar um beliscão, dava um belisquinho. Noutro dia, falante como era, proferiu com orgulho: "A vó disse que o vó é feio. O senhor não é não. O vó é lindo, né?"
Em minha companhia, enquanto eu fazia a barba, brincava enchendo o rosto dela de espuma. Ela, mirando-se no espelho: "Assim como estou, sou uma gatinha e o vó também é um gatinho".
Malandrinha - e sabedora de que meus préstimos seriam cumpridos sem pestanejar - quando se machucava, mantinha esse tipo de diálogo comigo: "O Bolinha (cachorrinho de estimação), mordeu a minha orelha". Eu dei um beijo na orelha dela e perguntei: "Passou?" E ela: "Não, está doendo muito". Propus: "Então vou dar outro beijo que passa". Ainda choramingando, vinha a contraproposta: "Não vó, dá um colinho que passa".
Na crónica "Clarice na cabeceira e no ombro", ela afirmava, com ênfase: "Cronicas são as que o avó escreve. Pois narram sobre acontecimentos que conheço, ou que vivi. Muitas delas são histórias de amigos ou parentes que escuto no dia-a-dia".
Sempre que uma crónica saía de minha cabeça, lia para ela, apenas para ouvir, no final: "Boa. Muito boa. Que legal." Ou outro elogio que me deixasse contente.
Divertia-se e me divertia ao contar seus sonhos noturnos, quase sempre aventuras perfeitas, recheadas de lances atípicos e inusitados: monstros e carros que tombam de ribanceiras. Fantasias nas quais minha presença era constante e de onde sempre escapava ileso de assaltos, agressões e quedas. Ela queria sempre salvar o mocinho que, no caso, era um velho babão.
Parece que eu sabia que ia acontecer um dia, só não esperava que fosse tão cedo. No final dessa mesma crónica expressei, em tom tristonho: "Espero que quando Clarice se tornar adulta e, se por algum motivo afastar-se de mim, eu possa guardar com ternura seu olhar de menina meiga, alegre e carinhosa".
Hoje não largarei sua mão, mesmo não sendo literalmente, não a deixarei morrer. Sempre continuarei amando como se fosse minha filha. Se for para ser feliz, quero que case com um homem que seja dez vezes melhor que eu.
Ainda hoje sinto os beliscões que me dava com carinho, com a mãozinha pequerrucha.
Hoje parece não sonhar mais comigo. Porém, acordado ou dormindo, sempre penso nela e, para mim, ela não é a adolescente que me abandonou e sim a criança que dormia comigo, que eu ninava no colo, que eu me desfazia em carinho e muito amor.



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