Usina de Letras
Usina de Letras
280 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62177 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50582)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (27) -- 14/08/2012 - 15:55 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (27
Foi-se o tempo em que as pessoas podiam sentar na calçada à noitinha com a família, esperando o sono chegar. Ainda que nada conversassem, assim mesmo, o fato de estarem juntas era indício de que a harmonia familiar, ao menos aparente, dava a sensação de tudo andar bem. Nessa época os ladrões furtavam, não roubavam. Em geral, eram especialistas em surrupiar galinha caipira, que no Nordeste chamamos capoeira. Ou subtraíam alguma roupa do varal. O terror urbano de hoje é um sinal dos tempos de progresso tecnológico, considerando o aparato de segurança ao qual estão submetidos os moradores de condomínios de luxo ou dos moradores de casas situadas em subúrbios elegantes de classe alta. A verticalização resultante da escassez de espaço, provocou a inchação das urbes, mormente no tocante ao deficit habitacional que se compõe de quase oitenta porcento da população dos grandes centros. As zonas rurais estão praticamente desabitadas por uma única razão: a económica. A mão-de-obra migrou para os centros urbanos e esse fenómeno propiciou os hoje grandes conglomerados de sem-teto e sem-esperança. Novos hábitos são consequência da ascendente febre tecnológica que não poupa ninguém, sobretudo as grandes concentrações de jovens à procura de algo novo para afugentar seu tédio adolescente e suas horas de enfado.
O jovem abastado frequenta bons colégios e além da suposta proteção educacional, conta ainda com os dispositivos de segurança à disposição dessas entidades, considerando que onde há recurso financeiro relativamente abundante, há condições mais eficazes de proteger o rebanho.
Números estatísticos dão conta de que surge no país uma nova classe que se permite sobrepujar a anterior sem se estreitar com a superior, buscando por si mesma, formas de consumo e sobrevivência per se. Não sou muito crédulo a certos vieses da estatística, posto que ela não é ciência e por isso mesmo facilmente manipulável por quem quer que seja. Ainda que cético assim, no meu caminhar cotidiano, posso assistir a essas camadas sociais, trocando desnecessariamente de automóvel, de televisor e de guarda-roupa, correndo o risco de se inserir na gorda mostra de pessoal inadimplente do SERASA, noticiada com frequência nos meios de comunicação.
Não sei seguramente o que torna as pessoas tão ferrenhamente consumistas como hoje em dia, mas observo que um sintoma disso tudo ainda é o secular desejo de se igualar ao vizinho, quando assistem à distància, seu crescimento no PIB pessoal. Trata-se do velho sentimento de ganància, inveja ou mesmo do íntimo querer não ficar para trás, na idiota corrida a lugar nenhum, senão ao topo do sentimento de poder.
Não é de todo inútil salientar que nem mesmo as religiões agem de modo contrário. Todas elas incentivam seus fiéis a se abastarem, antes de chegarem ao nirvana prometido pelos religiosos de plantão.
Para não ser injusto, devo excluir desse grupo os ditos espiritualistas, ou kardecistas que se comportam mais discreta e sobriamente quanto à busca da ascensão socioeconómica. Embora alguns críticos chamem-nos de assistencialistas. Não quero polemizar uma única hipótese difícil de ser constatada.
Eles mantêm um programa denominado "campanha do quilo" há muitos anos e para a qual não nego minha reverência/admiração. Todavia, hei de compreender lato senso, que não se poderia esperar de um cristão moderno protestante, a liberação dos seus bens aos pobres, segundo prescrição bíblica. Seria demais, não acham? A sociedade contemporànea não se furta de julgar qualquer iniciativa nesse sentido, como algo messiànico demais, embora não abra mão de algumas iniciativas beneficentes, inclusive para poder deduzir do insaciável leão da receita federal. Mas não nos curvemos às aparências, pois que não parece tão estranha essa corrida consumista; já existem mais aparelhos e linhas telefónicas móveis no país do que modelos de automóveis ou seitas religiosas.
O vírus do consumismo só não infecta mais os muito velhos, sem mais nenhum projeto pessoal ou aqueles totalmente excluídos da planilha de consumo, por razões óbvias. Afinal, freudianamente falando, usar um vestuário recém-adquirido ou um aparelho de última geração é sempre prazeroso. Isso porque permanecemos com nosso nous infantil pronto para reacender-se a qualquer momento do dia e da vida. Eu próprio tenho vivenciado que as pessoas em sua maioria, usam um aparelho celular como um totem ou um brinquedinho que as faz retornar à infància, quiçá perdida. Numa dessas sessões anteriores quando incomodo o leitor com essas linhas, declarei achar brega o vidro escuro nos veículos automotores, tanto quanto falar ao telefone celular em voz alta como se fosse algo tão natural como espirrar, um som universal sobremodo inevitável. A relação segurança/arroubo é um binómio inalienável nos dias correntes. Isso porque poucos abrem mão de caminhar uns bons metros e liberar o automóvel ou fazer com que o aparelho celular se permita "esquecer" do usuário, como faço duas vezes por semana. No meu caso é justificável porque não sou vendedor de nada, sequer de ilusões.
À parte alguma nostalgia recóndita, os hábitos de séculos anteriores não se repetem, senão quando querem servir de celebração ao velho termo "como nos bons tempos". De fato sinto saudade dos "assustados", do escurinho do cinema e do beijo roubado. Mas a propalada modernidade me convenceu peremptoriamente a não arriscar certos afazeres fortuitos, como por exemplo saudar Eros no interior de um carro, não necessariamente num fusca de época. Deitar na praia durante a madrugada a ver estrelas literais, nem pensar, caro leitor. Uma única vez, por absoluta necessidade, utilizei um notebook num lugar público, mas estive protegido pela minha plena esperança de que o assaltante não adentraria o bar e me incomodaria no uísque sabatino, me surrupiando o brinquedinho de intercomunicação, por mais vazio estivesse o bar e o digitador em lide.
A propósito disso tudo, lembro-me bem de um ex-vizinho engenheiro e próspero construtor a quem conheci na minha instalação no progressista município de Camaragibe. Durante um encontro, ele me falava de como se protegia do indesejável dono do alheio: pedia a Deus todo o dia para nada de mal lhe acontecer e à sua família. Mas ele exerceu durante pouco tempo o papel de vizinho. Teve que se mudar do local onde residia porque fora visitado por alguns assaltantes certa tardinha quando se reunia com os seus, ele que era de comportamento gregário e festivo.
Logo a ele que jamais se sentara na calçada de sua bela vivenda; ou porque não a houvesse previsto no projeto ou porque não se dera conta, a rigor, que os assaltantes também acreditassem no mesmo Deus.
_________________________________________________________

WALTER DA SILVA
Brasília - DF
17.07.2012

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui