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cronicas-->Estação Carioca -- 02/10/2012 - 13:30 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Talita foi ao baile funk com um grão de sal debaixo da língua e uma folha de arruda na orelha. Lá, as  músicas que ouvia continham letras de muito mau gosto. Era perceptível a apologia ao crime, à violência e à prostituição — um estilo totalmente rebelde, inclinado verticalmente para o mal. Som alto demais, uma barulheira que parecia vir das profundezas do inferno.

— Tenho uma surpresa, quero que conheças Cristiano meu colega de faculdade. Cristiano esta é Talita. Talita, este é Cristiano e aquela é Tília! disse Morgana.

A voz dele pareceu familiar. Talvez Talita o conhecesse da Confeitaria, da loja de informática ou de outro lugar. Sim, lembrava-se perfeitamente de um jovem que  entrara em sua loja procurando por uma Lan House. Seria Cristiano viciado em computador? Elaconheceu jovens que perderam dinheiro em apostas virtuais, namorados que perderam suas namoradas, maridos que perderam suas mulheres, moças que perderam a virgindade e crianças que se tornaram vítimas de pedofilia, depois de fazerem amizade com adultos pela Internet.  Tudo começa com joguinho inocente... Crianças interagindo com adultos, tornando-se presa fácil desses monstros. Ela Talita, não conseguiu ficar por muito tempo no baile. Estava em falta, tinha  compromisso consigo mesma de escrever pelo menos uma página de seu livro por dia. Saiu levando Morgana. Tília ficou. Cristiano também.

Já em casa, pensou: “Não escreveria nenhum capítulo sobre baile funk, ou escreveria? Falar mal de futebol, carnaval e de funk é colocar uma corda no pescoço e os pés no cadafalso; cair no esquecimento ou ter seu livro jogado na lixeira como as páginas policiais do jornal que Robert compra”.  Muitos querem ver a beleza das cores que passam pelo sambódromo, outros que o carro alegórico estoure e os foliões voem aos pedaços. É como nas corridas de fórmula 1. Definitivamente, ela não gostava de conceitos pré-estabelecidos nem pós-estabelecidos. O primeiro porque não tem consistência e o segundo por ser tardio. Tinha conceitos, sim. Conceitos de beleza, conceitos do BEM e do MAL. Tinha conceitos sobre a coisa de seus desejos, e, aos poucos, sentia-se imaculada, como nos primeiros dias de  Eva no paraíso. “Não se mudam conceitos por força de lei”, pensava, lembrando-se de seu poema que não pôde participar do Concurso de Poesias do Marista, com o título “MULATINHA”, porque considerado preconceituoso e segregativo.Ora, mulata já não significa mais  a filha de escravo e escrava sexual do patrão. Não é isso mais. Mulata é delicada, tem pele morena, cheiro de gravo e canela. Mulata é Talita, mulata é Gabriela.

Talita procurava passar a imagem de uma atendente atenciosa e gentil. Frequentemente recebia galanteios de grande parte da freguesia masculina. E, quando a conversa tomava rumo diferente, pedia licença para atender outro freguês. Nunca se apresentava como proprietária da Suport Informatic. Talvez por medida de segurança, pois, não se sabe exatamente a intenção das pessoas que chegam a um  balcão de informática. Jovens buscam por uma Lan House nos fundos de uma loja de fachada, onde possam fazer apostas ilícitas enavegar sites pornôs. Outros,  procuram apenas por informações afinal, informação e informática têm a mesma raiz, o mesmo conceito etimológico: prestar suporte a. Daí a loja chamar-se SUPPORT INFORMATIC — um jogo etimológico com tom americanizado, para desviar a atenção do MADE IN CHINA gravado na embalagem e no fundo das peças que ela vendia.Muitos fregueses retornavam, sob o falso pretexto de fazer levantamento de preços e compravam alguma coisa barata de que não necessitam. Tudo para ver aquela encantadora balconista, repetir a mesma frase: “Volte sempre...”

 Os lábios carnudos da vendedora, contornados com batom mel-avermelhado tinham curvatura semelhante a dois acentos circunflexos, um com o vérticepara cima e o outro com vérticepara baixo, ligeiramente abertos, prontos para jogar um beijo. Todo dia ela pegava o metrô no Largo do Machado e descia na Estação Carioca. Via pessoas apressadas, outras, numa lentidão de causar tédio... Rostos de diversas feições, feições de diversos rostos fervilhavam na rua como formigas em torno do formigueiro. Pobre Talita, morta de desgosto e cheia de tristeza de ver sua mocidade desabar como uma estrela cadente... Estava  cheia de vontade de dizer à rosa dos ventos que a vida não presta. Que as pessoas são árvores que andam, criaturas artificiais que vivem a mesmice de dormir e acordar, uma rotina, um caminho que não leva a lugar nenhum. Ou não. A vida é uma grande tela pintada com estilo e arte, uma paisagem de gente de todas as raças, mulheres de todas as taças à procura de marido. Há homens de short e de camisa regata, outros de terno e gravata, sentados ou pendurados nas barras do trem como roupas no varal.Talita não pleiteava um herói de pancadaria em  teatro de mamulengos. De modo algum  invocaria frei Gaspar de Santo Antônio, mas o próprio Santo Antônio casamenteiro de Pádua para lhe conseguir um marido. E, embora não alimentasse sonhos de princesa, queria um casamento simples, com poucos convidados e uma banda tocando a valsa nupcial. Queria se casar na noite, na rua, no céu, no mar, mesmo e ainda que fosse com um personagem de livro como aqueles das crônicas poéticas de Drummond. Poderia ser gauche, vesgo, até mesmo um galo de Campinas ou de Quintino,  desde  que fosse homem!...Ela estava cansada de comprar o beijo do namorado com o salário da loja. Valdivino não pensava no futuro. Tudo que ganha gasta com anabolizantes, e com academia de musculação.

Era festa do padroeiro  o coração acelera: dindãodindãodindão. O sino toca anunciando Deus  na  Trindade  de  três notas Teo-Deo-Céu. A lira  de dez cordas recorda os Dez Mandamentos como eco gravado, no coração. Bate o sino no campanário: dim... dão... dim ...dão. Toca o coração da menina badalando igual sino dim...dão, dim...dão.Bate o badalo, toca o sino bate o coração-menino na  festa do padroeiro.O sacristão toca o sino. Dim... dão... dim...dão .E desce do campanário. O vigário começa procissão. O coração bate igual sino: Dim...dão...dim dão. Na festa do padroeiro o santo casamenteiro promete para o solteiro um par para seu coração dindãodindãodindão. Devagar o ponteiro gira sem descanso, mais rápido, mais lento, o menor,  preciso e absoluto marca as horas, o grande,  pontilha o tempo, envelhece a aurora lentamente e escorre na  ampulheta cada minuto de vida. Finalmente, tudo  passa pelo vértice da existência, repousa como a areia deixada pelo vento e descansa em paz. STOP. O tempo parou ou foi a vida?

A vida não para...

Durante semanas e meses, Fernão ocupava uma das cadeiras do primeiro vagão. Talita desembarcava na Estação Carioca e ele seguia viagem. Nunca dirigiu a palavra a ela senão, quando a perna da moça ficou presa no espaço entre a plataforma e o trem. Naquele dia, prontamente, o rapaz a segurou pelo braço e desceu com ela na Estação Carioca.

—Você se machucou? — indagou com ar de preocupado.

—Não, não! Apenas algumas escoriações leves.

—Mas está sangrando...

—Sangra um pouco. Vou passar no  Posto de Saúde e fazer um curativo.

—Vou com você.

—Não precisa!

—Não tenha medo. Sou o Fernão. Trabalho aqui perto.

Passou um número de telefone, anotado em pedacinho de papel que arrancou da agenda. Acompanhou-a com o olhar e despediu-se tão logo o enfermeiro limpou os ferimentos e entregou a ela  um pacotinho com mercúrio e algodão: “Repita este procedimento amanhã. Não é nada grave, requer apenas higienização uma vez por dia.”

 Desejou vê-lo novamente, mas seria como encontrar uma agulha no palheiro, o Rio de janeiro é grande e movimentado em qualquer estação. Pôs a melhor roupa, soltou o cabelo, passou maquiagem e ligou para o número que havia recebido. O telefone tocou muitas vezes, até gerar a mensagem: “caixa postal, o número que você ligou não existe ou está fora de área...” Apressou-se para pegar o metrô e ocupar o primeiro vagão. O trem chiou a um palmo de distância de seus pés. Lembrou-se da perna presa no vão da plataforma e entrou com cuidado. O primeiro vagão estava cheio de gente vazia, duas velhinhas conversavam em pé porque as cadeiras reservadas aos idosos estavam ocupadas por jovens que sorriam zombeteiros. Outras pessoas penduradas nas barras de ferro disputavam um lugar para colocar as mãos. Olhou atentamente, com certeza, não era ele.  Não guardara maiores informações na memória da fisionomia de seu herói. Mas aquele homem não usava terno. Não era o cavalheiro que a ajudara no dia do acidente na plataforma. Cumprimentou-o e acabou ouvindo versos que outrora soaram seus ouvidos maristas.

—São teus os poemas?

— Eles são meus companheiros de viagem. O autor é um colega da Petrobrás, chamado Robert. Ele faz poesias e estatuetas ou faz estatuetas e poesias, além de chefiar o escritório da Petrobrás.

Imagens desfilam velozmente na janela do trem, aos poucos, a máquina perde velocidade, e uma voz anuncia:

 

Próxima estação, Estação Carioca. Desembarque pelo lado direito.Next stop Carioca station, landing on the right side.

 

Pensou em telefonar para Morgana. Sempre que se sentia em baixo astral, ligava para a “Morga” e ela recitava alguma poesia, na maioria das vezes, de autoria da própria Talita.

— Sabe quem disse isso? “Se te sentes triste, solte a gaivota que há dentro de ti... grite, faça voos rasantes sobre o espelho das águas, depois, pouse no  capelo de um  navio.”

Lembrou-se do pássaro de Bach. Sim, Fernão é o nome dele.

 

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