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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (36) -- 07/11/2012 - 09:46 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (36)

Na Madalena, subúrbio do Recife, numa rua próxima a um templo católico, se reunia um grupo de jovens amigos. Estudantes, apreciavam um bom copo, uma boa leitura e compunham música regada a poesia. Eram os anos sessenta e não faltavam assunto ou tema pra ocupar seus fins de semana e feriados. Um deles era um português recém-chegado ao Brasil. O forte sotaque de Vila do Conde, norte de Portugal, o denunciava. Conheceram-se, três desses rapazes, num Colégio chamado Padre Félix, no tempo em que a via de acesso ao centro da cidade do Recife era ainda estreita e acanhada: Avenida Conde de Boa Vista.
O curso, noturno, reunia um grupo eclético, de modo a aglutinar um autor de novelas, hoje famoso e "global" e mais dois cidadãos que se tornaram, um ministro de Estado e outro, além de prefeito da Capital, Governador do Estado e senador da República nos dias atuais. Mas não serão os políticos os personagens-alvo destas linhas. Elas tratam de sua figura principal, o moço residente no bairro do Rosarinho, em frente a uma praça arborizada, bucólica. Nos fundos da casa branca havia uma dependência no segundo piso, onde dormi muitas vezes, depois das libações e andanças noturnas. Ali, durante anos a fio, construí uma grande e sólida amizade com o português e sua família. No amplo dormitório havia espaço para três, incluindo o irmão mais moço, António (Tó), hoje médico, radicado nalgum lugar do Brasil. A família Ferreira Maia chegara em fins dos anos cinquenta ao Nordeste e ao Recife, especialmente. E por aqui se instalou em definitivo.

Aprendi a chamá-lo Martinho, sem a vênia de associá-lo ao santo homónimo, ibérico como ele e ao contrário do tratamento dado pela família, que o chamava simplesmente, Luís. À auspiciosa experiência da chegada, associava-se a fatalidade com o primeiro passamento de uma das cinco irmãs, Maria Pureza. Morrera eletrocutada próximo à sua casa, atingida por um fio da transmissão de energia elétrica. Curioso é que só depois disso tudo, eu soube que mantiveram durante muito tempo, um quarteto vocal típico, amador. As moças se apresentavam na televisão, num programa denominado "Você faz o show", aos domingos e comandado por um radialista chamado Fernando Castelão, cujo filho fora meu aluno na Universidade, anos depois. Eram cinco irmãs e três irmãos, sendo o mais velho, Constantino, advogado pela Universidade Católica. Meu contato estreito e diuturno com o lusitano já de todo maceteado na brasilidade, me fez padrinho do seu casamento na Igreja da Jaqueira, onde todos puderam cantar "Maria vira-mundo", letra dele com uma melodia que escrevi em compasso ternário, pressupostamente jazzístico.
Depois da Universidade, vieram a prole e a transferência para João Pessoa, a prosseguir vida acadêmica como Psicólogo e doutor em Psicanálise, pela Universidade de Louvain, na Bélgica. Generoso, afetivo e extremamente solidário, jamais negara nada a qualquer amigo, sequer a mais dura crítica, como aconteceu comigo pessoalmente. De Martinho, guardo uma frase difícil de esquecer, quando se referira uma vez a certa mulher, discretamente, quando lhe foi apresentada: "digna dos nossos melhores esforços". Declamador da grande poesia portuguesa, José Régio e Cesário Verde. Fizera teatro, "Um deus dormiu lá em casa", de Guilherme de Figueiredo. E era ótimo ator.
Confiante e crédulo do talento de outrem, carregara consigo alguns amigos para compor um grupo de teatro amador, incluindo a mim, que jamais imaginei encenar Pedro Bloch. O teatro Banorte, de um grupo bancário pernambucano, viajou pelo sudeste, Rio e São Paulo, encenando uma obra nordestina, "Mais livrai-nos do mal", de Jairo Lima, no Festival de estudantes de Paschoal Carlos Magno. Foi um mês inteiro de teatro, adulto e infantil, sob os auspícios do Governo do Rio de Janeiro, à luz do prestígio do velho e incansável Paschoal. Essa experiência, ainda que curta mas significativa é para mim particularmente, um testemunho indelével da amizade profunda, do laço estreito e firme que me uniram durante tantos anos àquele homem de caráter irreparável e alto senso de lealdade, compromisso e despojamento com os amigos legítimos. Martinho certa vez me fez acreditar solidamente que os amigos acontecem, não podem ser forjados com matéria-prima de quinta categoria. Numa data como esta, dois anos antes, tomei conhecimento de sua morte, através de um amigo comum. Seu aniversário seria quatro dias depois, próximo do feriado da proclamação da República. Na memória, a varanda frugal no segundo piso da dependência da casa do Rosarinho, donde ainda ouço no sotaque vilacondense, a voz de dona Albina, sua mãe a gritar da cozinha: "Ó Luís, o café cá está pronto".
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Esse texto é uma homenagem ao amigo LUíS MARTINHO FERREIRA MAIA, morto numa data como essa, há dois anos em João Pessoa, Paraíba.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE 07/11/2012
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