TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (35)
Um religioso ortodoxo me dá a honra de caminhar comigo, de manhãzinha. Com ele reaprendo as lições pontuais, incluindo aquela que se refere à busca recorrente do autoconhecimento. Embora tenhamos holofotes intelectuais divergentes, ele um Arcipreste*, eu um mero livre-pensador, estamos de acordo sobre que a prática do amor holístico, tende a evitar um conflito ingerenciável, desembocando num desfecho fatal. Não sei com certeza se o mundo atual comporta um tipo de gente que a priori cultive o amor como uma panaceia. Ao contrário, quanto mais se o teoriza, menos se o pratica.
O acirrado pragmatismo corrente, tornou-se bastião do sucesso, da glória e da fama. O dinheiro não é mais visto como um meio mas como um fim em si mesmo, sem o qual não é possível alimentar a feliz convivência dos pares e sua estabilidade decorrente. Ainda que isso, no fundo, possa constituir uma belíssima ilusão, vivemos a quadra do apressamento, do hurry-up sob o qual se assentam premissas fantasiosas, do quanto mais ágil, melhor. Pessoalmente não visualizo o horizonte desse tipo de periscópio. Não negaria, contudo, que já consumi alguns poucos anos de minha vida, quando bem jovem, vendendo seguros de vida, livros e mais algo de somenos importància. Quanto a ter vendido livros, muito ainda me honra tê-lo feito. Afinal, vender um produto com o qual nos identificamos é por demais legítimo e prazeroso.
O Arcipreste, quando lhe falei a frase "desapego não é renúncia", confessou, como todos nós confessamos, certa dificuldade em praticar esse princípio. Essa é uma máxima atribuída a Sidarta Gautama, eleito pelos seus pares, como Buda, o iluminado. Ainda dizia que "se queres aliviar o sofrimento, reduz o desejo", que não é lá muito fácil de se praticar. Os pilares do capitalismo e suas benesses volúveis e efêmeras, parecem assentados num terreno firme e rochoso, mas foram estruturados num material semelhante ao isopor. Com o tempo, sua aparente concretude desmorona e se esvai, levando consigo o que parecia um sonho, travestido de fantasia. O anúncio escatológico de que algo de grave ocorrerá no dia 21 de dezembro deste ano, é levado muito a sério pelas pessoas que veem o natural como paráfrase do sobrenatural. Ademais, a catástrofe natural seja lá o nome que se lhe atribua, é sempre prevista na maioria das vezes, com muita antecedência, pela pesquisa científica.
A tempestade Sandy, nome aparentemente inspirado no de uma cantora popular muito bonitinha, não é algo que constitua presságio do fim do mundo. Há básicas explicações da ciência sobre sua chegada, o impacto sobre o meio-ambiente e os prejuízos consequentes de sua magnitude. Já se sabe, todavia, que catástrofes naturais, nada ou quase nada têm a ver com o pànico escatológico, eclodido no seio das religiões e de seus seguidores. A mecànica quàntica, a despeito da dificuldade de compreensão do ser humano comum, em seu mundinho especial, pode prever e equacionar nano tecnologicamente, a formação de fenómenos que, ao bel-prazer do indivíduo crente, comparecem ao mundo dito real. De minha parte, do suprassumo de minha ignorància, hei de cultivar mais e mais aquilo que entendo como busca do meu autoconhecimento: encontro mais prazer e alegria de viver numa sonata de Mozart, do que em um milhão de palavras proferidas histericamente por esses pastores de almas que, como talentosos vendedores de ilusões, seriam incapazes de consumir toda uma vida, como um cientista, tentando provar que focinho de porco, tomada não é.
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*ARCIPRESTE - título de dignidade que dá aos párocos de certas igrejas, certa preeminência e jurisdição sobre os outros párocos. (Fonte: dicionário CALDAS AULETE de língua portuguesa)
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WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
02/11/2012
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