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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (38) -- 20/11/2012 - 09:57 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (38)

Não há música mais chata do que a de Natal, excetuando-se aquela que ainda não foi escrita. Em geral são melosas, compostas em tom maior e num andamento meio oligofrênico, sem imaginação, a despeito de sua suposta simplicidade. E existe um disco gravado por uma cantora chamada Simone, ex-jogadora de vólei, meio grandona e de rosto sensual. O exemplar é todo eivado de uma chatice de causar espécie até ao ouvinte menos exigente. Mas há quem goste, claro. Não quero parecer presunçoso, mas escrevi há exatos quarenta e seis anos, uma melodia sobre um poema de Manuel Bandeira, a quem não conheci mas de cuja poesia aprendi quase tudo. O poema chama-se "Menino de Belém". Ele está inserto, para quem se interessar, na antologia poética do autor recifense. Num tempo áureo de criação irrefreada, musiquei outros poemas menos conhecidos e tão belos quanto, e que infelizmente jamais os pude publicar a contento.

Meu amado amigo Sebastião Vila Nova gostou tanto que me enviou partitura original de próprio punho, tendo ouvido apenas uma única vez. Guardo-a com carinho e muita reverência, mormente quando pude visitá-lo em casa recentemente, acometido do drástico mal de Alzheimer. Apesar de ter feito pequenas modificações na melodia, concordei com o velho Vila, posto que se trate de um excelente compositor, um professor brilhante e um piedoso cristão. É muito, muito provável mesmo que Sebastião também não goste dessa melosidade das canções de Natal seguida da correria inútil da busca pelos regalos trocados em família, sobre quem nada tenho em contrário. Do acervo todo, talvez não escape sequer o famoso e tocado ad nauseam "Jingle bells", escrito por algum autor americano que ainda hoje deve auferir para os pósteros, o devido quinhão do direito autoral do qual fez jus.

Num tempo de empreendimentos musicais, tentei ainda, junto à Alliance française, através do seu cónsul adjunto, um intercàmbio artístico a envolver alguns músicos da Sinfónica de Recife, de modo a difundir o acervo musical nordestino, folclórico, etc. As démarches não culminaram exitosamente, uma vez que um dos participantes de origem francesa, morreu antes que o convênio fosse consolidado por oportuno. Péssima ideia porém adveio disso tudo, que era um programa de arte sério e transnacional: os tais músicos me incumbiram, pasmem, de gerenciar a formação de um pequeno grupo para apresentações em lugares públicos, incluindo shopping centers, executando a tal música de caráter natalino. O que mais me irritava, que pese o objetivo de obter algum numerário para adquirir o caviar de cada dia, era ter que conviver com os músicos vestidos de "Coca-Cola", portando aquele ridículo gorrinho vermelho e pompom branco, usado pelo abestalhado papai-noel. Considerando que tudo tem seu preço, bati pernas visitando os tais sítios travestidos de espírito natalino... tudo em vão. No ano seguinte, em virtude do "nem-te-ligo" dos deslumbrados frequentadores de shopping centers, a realização da ideia foi por água abaixo, ainda que sob o rigoroso calor do verão pernambucano. Insisti junto ao grupo musical, do qual fiquei bastante amigo, que deveríamos explorar a música brasileira erudita, o folclore brasileiro, rico e autêntico, buscando uma melhor visibilidade à arte popular e suas variações. Curioso é que o público menos educado, menos informado, não aprecia a arte popular, como foi constatado. Faz-nos lembrar da velha e andrajosa frase do Joãozinho trinta: " povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual".

Todos (ou muita gente) sabem a origem do Natal e seu compromisso atávico com o capitalismo. A manjedoura, por mais "regional" e original que seja, contrasta diametralmente, com o acirrado consumismo e a gastança da qual resulta. Afinal de contas, terá sido muito raro, se alguém, por mais observador que seja já tenha visto o tal presépio com menino, pai e mãe todos negrinhos, excetuando-se as paragens africanas. Em geral, como sói numa sociedade dita plural e preconceituosa, os personagens do cenário de nascimento de Jesus, consistem em figuras representativas da classe média alta, de preferência com um menino-deus de olho azul. Tradições, contradições. Não há porque negar a razão de fundo para o reencontro das famílias, no equinócio de verão, concomitante ao nascimento de Hórus, no antigo Egito. Daí o dia 25 de dezembro. E para não fugir à minha pirraça contra música de Natal, hei de considerar que ao menos nos confraternizamos e perdoamos nosso próximo, ainda que isso possa, no fundo, representar a mais elevada instància do inconsciente coletivo na manifestação de alguma remota hipocrisia, também inconsciente. Em tempo: hoje é dia de Zumbi dos Palmares, dia da consciência negra. Mas por razões óbvias, devo dizer que não gosto de negro. Gosto de negra.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe, 20.11.2012
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