O ex-ministro aposentado Ayres Brito, em sua entrevista à Folha neste mês, declara que "carnívoros não cantam". Ele defendera sua posição vegetariana, trazendo as folhas para sua flora. Até concordo com o eminente magistrado, vez que eu mesmo não venho carnivorando faz tempo. Mas cabe um ligeiro reparo em tal assertiva: não posso concordar com a frase, ainda que aceite a defesa dos pássaros, herbívoros, na argumentação do entrevistado. Ele, o ministro, apenas esqueceu-se de um pequeno detalhe: carnívoros cantam sim e muito bem. Houve uns tais Enrico e Francis* que ingeriam um steak empurrado e mesmo assim, com toda essa suposta toxicidade, foram e serão lídimos representantes de sua profissão na história mundial das músicas erudita e popular.
Atenuando, devo ratificar aquilo que muitas testemunhas oculares já sabem. Ayres Brito conseguiu presidir um colegiado de feras. Isso resultante da vida meditativa que leva e da serenidade gerencial, a despeito de ter comandado algumas das mais vaidosas e furibundas figuras da Corte. Claro que lidar com pares de mesmo nível não é lá tão flácido como se pensa. Mormente se se leva em conta o ramo do negócio com o qual se lida. Num ponto estamos todos de acordo: a impunidade tem limites. Aliás, todos os brasileiros que acompanham o cotidiano do judiciário deverão voltar a crer que a justiça se concretiza na defesa da república e do estado de direito, tornando-os mais orgulhosos de sua cidadania. Da aplicação desse elenco, eu particularmente acredito que a gente desembocará em algum tipo de democracia iminente.
Outro ponto que me chamou a atenção, foi o fato de o ministro ser também fã de Heráclito, o grego inventor do conceito universal de mudança. Além disso, ele deixou bem claro sua familiaridade com a literatura, a música e especialmente com a poesia. Um danado esse ministro. Por falar em mudança, a cada quatro anos acho cada vez mais engraçado que os candidatos a mandatos eletivos, mencionem indiscriminadamente o termo mudança. Ora, argumentei com um candidato a vereador, o fenómeno da mutabilidade é permanente, tudo muda a todo o momento e a qualquer taxa de espaço-tempo. Daí não haver em absoluto, nenhuma necessidade de dizer que "a mudança chegou". Mudando de assunto, estou particularmente interessado, feito um cético masoquista, em ver essa gente toda, arautos da corrupção, dentro do xilindró, na forma da lei.
É uma ruma de gente dissimulada que, covardemente, não se dá o luxo sequer de se sentir arrependida. Como no filme "Um sonho de liberdade", onde o personagem noviço, recém-chegado à prisão, aprende com o veterano cumpridor de pena: somos todos inocentes. A escola cínica, aquela egressa dos tempos helênicos, está bem representada no Brasil. Não fora a pertinácia e consequente seriedade das procuradorias e do julgamento isento do judiciário maior, o distrito federal seria um grande delivery de pizzas, preparado por uma massa de gente de reputação nada ilibada. Se tudo correr bem, juro que na próxima encadernação, retornarei em forma de magistrado, conforme o modelo de personagem exposto no início deste (con)texto.
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*ENRICO CARUSO e FRANCIS ALBERT SINATRA
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WALTER DA SILVA Camaragibe-PE 27.11.2012
