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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (44) -- 11/12/2012 - 11:03 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (44)

Salvo melhor juízo, o pior preconceito é o conjuntivo. Aquele sucedido de uma conjunção, geralmente, "mas". Ele pode ser observado na maioria das pessoas, já que surge inconscientemente. Se alguém comenta censurando, como já o fiz, aí a coisa engrossa e o agente da ação finca o pé e não aceita de jeito nenhum seu lado discriminatório. Independentemente de qualquer orientação filosófica ou religiosa, como quase toda herança, aprendemos certos preceitos, domesticamente. Fosse eu seguir minha mãe cegamente e hoje seria um tremendo preconceituoso. A despeito de reconhecer que com ela aprendi a ser polido. Havia um cidadão bem-falante no subúrbio, Jaime, com quem fazia questão de conversar para aprender mais e trocar abobrinhas. E sei que aprendi. Ele era contabilista pela Universidade federal e tinha um bom emprego. E é talvez em face desse currículo incomum, à época, que minha mãe não fazia por menos: "Ele é `moreno´, mas é muito inteligente". A forma que encontrei para dar boa impressão amenizadora, seria o uso de outra conjunção, o "e". No caso, a frase materna mudaria seu sentido e introduziria seu autor no rol dos não preconceituosos. Isso teoricamente, claro. Esse, digamos, fenómeno, vem ocorrendo frequentemente, desde que se descobriu que a vida humana teria começado na África negra.

Com efeito, todos trazem algum vestígio de preconceito dentro de si. Pode-se afirmar de forma hipotética, que abaixo do franzir da glabela, tudo possa ocorrer. Suponha um pai que esteja esperando o dia da apresentação do futuro genro ou nora. Ele ouviu falar da pessoa, mas (olha a conjunção aí) o detalhe de que é negra, possui uma prótese ocular ou outra deficiência física, tudo isso foi discreta e estrategicamente oculto. Não seria válido indagar por quê. Todos sabem muito bem. Os olhos são juízes implacáveis quando se trata de extrair o preconceito do baú comportamental. Não nego que também vivenciei uma experiência semelhante. O namorado de minha filha era um tanto ruidoso. Já chegava na frente de casa buzinando. Chato do jeito que sou, não tolero buzina, exceto se for para me desviar de alguém ou de um semovente na estrada. Não posso assegurar que foi uma atitude preconceituosa, porém chamei a atenção do jovem mancebo e adverti-o de que a melhor forma de convocar a amada é pressionando a cigarra no muro da casa. Qual o que! O Romeu suburbano continuou buzinando, apesar da admoestação do velho futuro-jamais-sogro. Certo dia, ou noite, sei lá, convoquei placidamente o poder competente: o DETRAN desembarcou em minha rua e guinchou o bólide do (im)provável nubente. Claro que fiz de sacanagem mesmo, sob pasmo e revolta da família Carvalho Silva. Parece trama de livro de obra rodrigueana, não? Tenha havido ou não a concretização do preconceito paterno, não sei, mas estou seguro de que o episódio provocou a evasão do pretendente que se escafedeu definitivamente. Atenue-se, que deva ter sido por outra razão.
Voltando ao preconceito, tive uma colega de trabalho, pele branca e burguesa ao extremo, que tratava um colega negro assim: "Fulano de tal, ele é negro, mas..." Era uma psicóloga, defensora ferrenha de um Senador republicano, prosélito imparcial do governo militar brasileiro. Não é de todo inútil acrescentar que ela houvera conseguido os bons postos de trabalho durante sua vida ativa.
Em contrapartida, ela própria trazia consigo, em alguma parte não pudenda do seu corpo de alabastro, de forma inocultável, uma marca cicatrizada chamada queloide, da qual a etnia negra é principal portadora.

Outro detalhe que julgo relevante mencionar, listei num pequeno ensaio literário "A arte de morar só", dez anos antes. O brasileiro é useiro e vezeiro de denominar gordo de forte, esposa em vez de mulher, moreno em vez de negro, etc. Entendamos, entretanto, que tudo isso é um sintoma cultural extensivo e ele gera alguns argumentos tão consistentes que nem areia movediça. Quer saber? Certa vez um camarada argumentou que se chamar um cara de negro, o incauto vai achar ruim, como se o oprimido trocasse seu papel para o de opressor. Bobagem. Age-se assim, porque o colonialismo ainda se entranha nas gentes; a escravocracia não subsiste em sua plenitude, mas não se vê mais de um negro em posições privilegiadas, cujos ocupantes, por razões óbvias, são "brancos". Sabe-se todavia, que esse é um terreno movediço, arraigadamente secular e aparentemente inamovível. No fundo, no fundo, queira-se ou não é tudo gente de carne e dente, de cuja cepa, venha donde vier, estará sujeita às mesmas idiossincrasias e vicissitudes da condição humana. Em Portugal, nossos irmãos patrícios, apreciam jocosamente piadas de brasileiro e de português. No Brasil é mais comum chamar-se alguém branquelo de "galego", do que negro de "negão". E olha que em Portugal, ninguém ousa chamar alguém de galego. Millór cunhou uma piada engraçada, a sobreviver além-mar: "Neste país não há preconceito de cor, porque o negro conhece seu lugar".
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WALTER DA SILVA
Camaragibe,
11.12.2012

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