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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (46) -- 17/12/2012 - 16:34 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (46)

O casal me acompanha toda matina. Ambos têm a pelagem cor de mostarda. Ela aparenta ser mais velha que ele. Não é a primeira vez que seguem minha andarilhagem manhã afora. À carência dos cães opõe-se a indiferença dos gatos. No caso canino, mesmo correndo perigo eles se envolvem com pessoas estranhas, embora eu já carregue comigo vestígio olfativo de seu semelhante. Fico um tanto apreensivo porque meu trajeto não é nada tranquilo. Caminho próximo a uma rodovia estadual, movimentadíssima, considerando cinco da manhã. Às vezes eles tentam atravessar a pista arriscando sua vida já tão sacrificada, sempre em busca de migalhas no lixo. E frequentemente me preocupo em persuadi-los do perigo que correm. É muito raro, no entanto, encontrar um felino por ali. Gatos são animais manhosos e só aderem se receberem o sinal de adesão. Da minha moradia às vezes flagro um ou outro cruzando os quintais, certamente em busca de alimento. Certa vez, faz anos, me engracei de uma fêmea de olho azul, cauda felpuda, muito bonita. Acolhi-a em casa, alimentei-a e resolvi adotá-la. Quer saber o nome que lhe dei, não é? Aparecida blue. Dengosíssima, adaptou-se logo ao território, mesmo desconfiada de que ali também residia um casal Beagle-lata, manso mas muito exclusivo. E é muito rara uma adaptação das duas espécies, a menos que sejam devidamente adestradas desde tenra idade.

Considerando o acordo psicológico que suspeito tenham feito entre si, conseguiam coexistir, mas cada um na sua. Rara era a hora em que Aparecida esboçava esmiuçar a vida do casal Beagle-lata. Mesmo porque mantinham regiões bem demarcadas. Vez por outra, quando livre o casal canino, a bela felina - cujo privilégio era morar a bordo da casa - me dava sinal de que o conflito se anunciava. Em geral eu estava presente e felizmente isso sempre ocorria nos fins de semana quando resolvia testar a convivência entre os três. Como sabem, os gatos reagem à altura quando se dão conta de que a cernelha do inimigo é apenas um pouco mais alta do que a sua. Assim sendo, o felino supõe que pode ganhar a contenda, o que raras vezes resulta em brutalidade física. Por sorte, diuturnamente estive por perto e procurava apartar o malquerer dos nossos contendores.

Se já não é muito fácil criar cães, imagina criá-los na presença do rival secular, o gato. Durante um bom tempo pude aquilatar a conveniência dessa parceria entre ímpares irracionais. Não posso negar, contudo, que tive grande dificuldade em descobrir a linguagem dos três, mesmo quando a pacificação era iminente. Mais difícil a compreensão dos humanos, mais distante a busca das soluções apropriadas. Quisera acordar de manhã e poder ter sonhado com alguma dessas criativas decisões, cujo conteúdo é somente disseminar paz e harmonia. Pessoalmente não acredito nisso. A bibliografia que trata do convívio harmonioso entre cães e gatos é muito vasta. Já me absorvi de alguns ensinamentos de caráter teórico. Rocha mesmo é poder pó-los em prática. Não sei qual é a magia/empatia que o César Millan, adestrador mexicano radicado nos Estados Unidos, nutre e mantém pelos cães. Só pode ser talento associado ao binómio anterior. Quanto a mim, se pudesse cultivar a principal arma do adestrador, a paciência, aí sim, hoje seria um exímio profissional. E para não me esquecer a esta altura dos acontecimentos, há uma notícia que depõe contra mim em toda essa estorinha aqui narrada. Não demorou muito pra que eu descobrisse em Aparecida blue, aquele nefasto sentimento que inclusive os humanos alimentam consigo: o ciúme.

Tão arraigado fora que comecei a descobrir a sujeira fétida de sua felinicência nos banheiros da casa. Macacos me mordam. Fiquei furioso e por uns bons momentos resolvi tentar flagrar a façanha nada higiênica de Aparecida. Logo ela para quem adquiri um bom recipiente de areia onde liberava suas necessidades. Já que não aprendeu o hábito horroroso da cleptomania alimentar, resolveu evacuar o cocó nos cómodos da residência onde se alojou tão placidamente. Dadas as circunstàncias resolvi levá-la a especialistas que a essa altura da existência devem estar cuidando dela. Quando ela se foi, apesar da saudade, uma única pergunta se me restou na cuca: o que teria inspirado os seres humanos a chamar gente de "gato" e "gata"? Deve haver várias respostas ou nenhuma, mas o que importa mesmo é que gente, a rigor, ainda que não aja em situações de ciúme, como os felinos, provoca um imbróglio muito maior, a despeito de sua suposta racionalidade e seu propalado poder de persuasão.

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WALTER DA SILVA
Camaragibe, 17.12.2012
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