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cronicas-->POR TRINTA MOEDAS -- 02/01/2013 - 13:35 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

    Fui um peregrino que teve de viajar rios e mares, verdes palmares e seco sertão. E como já disseram muitos poetas: “militar e bancário levam uma vida cigana”.

   Bancário por mais de vinte anos, fiz carreira mudando de uma agência para outra, concorrendo a cargos de confiança e apresentando-me sempre disponível para servir onde melhor conviesse ao patrão.

Andei Brasil afora e Gerais adentro, desde cerrados goianos aos montes claros de Minas. Também no Norte inteiro, no Meio-Norte, e Norte mineiro fui quase perfeito em meu caminhar. Trabalhei no Nordeste, Sudeste e Centro-oeste do meu país, “sem medo da peste da fome feroz”.  Mas foi em Santa Maria da Vitória, Oeste da Bahia que guardei a cena do homem que vendia Deus.

Eu morava numa rua estreita que tinha nome de gente das costas largas. Não me lembro qual,  e se me lembrasse, não diria. Foi assim: um pastor de determinada seita religiosa, alugou um ponto onde antes funcionava um boteco. Ali, muitos homens se encontravam com o capeta, bebendo, ou bebendo, se encontravam com o capeta. Eu não bebia naquele boteco,muito perto de casa, poderia  ser incomodado pela “radio-patroa”. Mas quando transorfou-se em templo de evangelização, meus ouvidos bebiam das palavras proferidas em alta fidelidade pelos equipamentos de som instalados na calçada. Aquilo incomodava, não sei se pelo nível de decibeis elevado,  ou pela força da Palavra.

Os vizinhos faziam o mesmo, para abafar a voz do pregador, colocavam caixas de som viradas para a igreja, no volume máximo.

Nunca vi mais do que meia dúzia de fiéis sobre os bancos e naquele dia, não tinha nenhum. Eram mais de vinte horas, quando cheguei cansado do serviço e da cerveja tomada na palhoça da Quintinha.A dona Bernadete, minha legítima esposa, estava nos Montes Claros de Minas à procura de recursos médicos para restaurar a gruta, visitada com excessiva frequência pelo marido.Tinha que fazer uma curetragem e em Santa Maria, bem Santa Maria era uma cidade muito pequena, nos anos oitenta.

Puxei uma cadeira, pus na calçada e me sentei com uma lata de cerveja na mão esquerda e um cigarro na direita. O  isopor cheio de latinhas ficava quase no colo, nas proximidades das pernas... Tudo estava ocupado: o ouvido cheio de cerume do mundo, e o couro cabeludo, da ceborréia.

Começou a barulheira? JESUS! SÓ JESUS SALVA!...VIVA JESUS! E batia palmas sem ter quem o acompanhasse. Foi aí que  me veio a ideia de pegar um dos sacos de areia que outras pessoas já haviam jogado contra o salão do crente... Eram muitos sacos plásticos espalhados na rua, cada um com  dois ou mais quilos de  fina areia...Atirei um e ele  caiu dentro da igreja.

Aproximou-se de mim um homem de terno e gravata. Até meio grandalhão se comparado com meus cento e sessenta e três centímetros dos pés à cabeça. Mais na cabeça do que no restante do corpo.

Vai me bater — pensei. E me veio à lembrança as palavras  de meu irmão mais velho(72): “Em filho de homem não se bate, mata!”. Eu não queria matar ninguém, muito menos morrer ou apanhar. Rapidamente pensei  num gesto de humildade para evitar o confronto: “Irmão, me perdoe, eu tomei umas a mais...”

Fiquei admirado  com tamanha  virtude do pastor a me dizer:  “Mas o senhor, um homem de responsabilidade!...Estou anunciando a palavra de Deus.”

Seu sinal de fraqueza me deu força:: “ O senhor está fazendo gritaria...não está evangelizando ninguém! Cadê as pessoas? Não tem nenhuma na igreja! Chamei de igreja para suavizar o impacto de algum soco, na verdade, um bar desativado, uma mesa e alguns bancos...

— Estou avangelizando o senhor e seus vizinhos...

 

 

Misericórdia, Senhor — disse meu coração — misericórdia! Mostrai-me, a vossa  misericórdia, e dai-me a salvação! Foi  a lembrança que  me veio da leitura que fizera  de Santo Agostinho comentando o Salmo 84,8.: “Logo, não reinvidique sua conversão como mérito seu. Se o Senhor Deus não  tivesse chamado quando você estava fugindo, você não teria sido capaz de voltar... “ Pensei!  E aquele pastor tentava mostrar a salvação, ainda que, como Judas, tivesse que vender o mestre por trinta moedas de prata.

Recolhi-me.

Quis abrir a sagrada escritura, de forma alheiatória, para saber o que me dizia o Senhor dos Exércitos. Julguei-me impuro e deixei para o momento em que estivesse sóbrio.

Naquele mesmo ano (1988) saiu minha remoção para  Coração de Jesus, uma cidadezinha muito próxima da quase metrópoli Montes Claros. Comprei uma casa na cidade  maior e por mais dois anos, permaneci trabalhando no interior, a uma distância de apenas 70 quilômetros de minha residência.

O bairro era novo e uma igreja estava sendo edificada em homenagem a Santa Clara, patrona das comunicações por rádio e tevê.

As paredes já estavam  altas, quando recebera a doação de um par de auto-falntes, neles o padre Manuel anunciava os eventos: “leilão de Santa Clara, barraquinhas e diversão para as crianças, venham todos ajudar a construir nossa igreja...”

Logo  que cheguei, o  padre já  estava de  saída e pediu que eu continuasse dando o aviso, intercalado com músicas sacras.Fiz. Não sei se pela  fé ou vaidade de ouvir minha própria voz nos auto-falantes: um virado para o Norte, o outro para o Sul, de molde a alcançar quase todo bairro, uma vez que ainda era pequeno. Por sorte ou azar,  um deles dava direto num prédio de três ou quatro pavimentos.

Pus várias músicas e em seguida, empostei a voz e fiz o anúncio. Caprichei nas músicas e na voz dos intervalos. Não demorou muito, um morador aproximou-se bastante irritado: “Isso é uma falta de respeito com os vizinhos. Ninguém entende o que você fala, só se ouve a BARULHEIRA!”

Não tive defesa. Lembrei-me do Pastor Evangélico de Santa Maria, mas não ousei repetir suas palavras, ouvi minha voz de outrora: GRITARIA...O SENHOR ESTÁ FAZENEDO  GRITARIA!...

Gritaria ou  barulheira, o certo é  que nosso Deus aceitou ser vendido  por 30 moedas de prata.

Desliguei o equipmento de som e alguns dias depois, meditei sobre  o Conselho de Gamaliel narrado nos Atos dos Apóstolos, capítulo 5, versículos de 38 a 39:

 “AGORA, POIS, EU VOS ACONSELHO: NÃO VOS METAIS COM ESTES HOMENS. DEIXAI-OS! SE O SEU PROJETO OU A SUA OBRA PROVÉM DE HOMENS, POR SI MESMA SE DESTRUIRÁ; MAS SE PROVIER DE DEUS, NÃO PODEREIS DESFAZÊ-LA. VÓS VOS ARRISCARÍEIS A ENTRAR EM LUTA CONTRA O PRÓPRIO DEUS”.

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