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Infanto_Juvenil-->MISTÉRIO DE UMA NOITE SEM ESTRELAS -- 01/04/2007 - 09:02 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MISTÉRIO DE UMA NOITE SEM ESTRELAS




imagem:http://fotos.sapo.pt





No alto do apartamento onde vivi grande parte de minha vida, tinha por hábito, olhar ao longe as luzes das casas do bairro vizinho.

Por inúmeras vezes entrei pela janela de uma delas, equilibrando-me no galho da grande árvore para viver meu sonho.

Era minha ponte secreta. Quando acabava de atravessá-la, Neko, o cachorro que vivia no meu imaginário sempre me recebia aos pulos.

Por infindáveis noites havia desfrutado do doce balanço dessa árvore.

Não sei ao certo, até hoje, quais os sonhos de minha família, mas o meu, era esse.

Num belo dia de sol, lua ou estrelas, sempre presentes nos devaneios, meu pai aportou em casa com a agradável notícia: iríamos morar num sobrado.

Aconteceu. Estávamos todos felizes: eu, meu pai, minha mãe e minha irmã enquanto organizávamos o novo espaço, bem mais perto do chão.

A terra chegou a fazer cócegas nos meus pés, para que eu soubesse que era real.

Cada coisa foi colocada no seu devido lugar. Eu e minha irmã nos alojamos no quarto cuja janela sorria para a árvore dos meus sonhos: minha porta de entrada ou minha porta de saída.

Não era uma casa grande, mas com certeza, cabia toda a minha felicidade. E, considerando que felicidade é uma coisa que não dura muito, conforme o dito de alguns adultos frustrados, logo à noite, um estranho acontecimento ocorreu.

O sobrado dormitava sob aquele macio manto do silêncio, quando repentinamente começamos a ouvir um gemido. Não era um gemido qualquer, era um gemido que carregava uma dor incomensurável.

Pé ante pé, cada um de nós saiu do quarto na tentativa de encontrar a origem de tal tormento. Nada foi identificado nos cantos vasculhados.

Retornamos aos nossos aposentos e, ao afofarmos os travesseiros para o acolhimento de cada massa encefálica quente e enfastiada, eis que o som ressurgia ecoando com intensidade.

Tentamos ignorá-lo o quanto pudemos até que um galo cantou ali por perto. Não sabíamos exatamente onde e em que tempo havíamos desistido. Já era dia e, como todo novo dia perfeito, o sol despontava.

Foi ai que surgiu Neko, meu primeiro cão de verdade. Meu pai acreditava que um novo habitante na casa oportunizaria uma distração. Talvez, quem sabe, nem escutássemos mais tanta lamúria!

Puro engodo! Bastava que nos acomodássemos, o cão latia e um desastroso gemido se fazia ouvir.

Os dias e as noites ocorriam na ordem da natureza e o inferno persistia na idéia de se inserir na cena, apesar das cortinas encerradas. Já nem lembrava mais dos meus sonhos.

Decidi colocar o cão, nesta ‘parada’. Necessitava ver, saber para quem, ele tanto latia.

Neko latia para a escada e ela gemia... e gemia! Quanto mais gemia, mais e mais ele latia.

Irritado com as últimas ocorrências, meu pai decidiu refazer e escada original, construída em madeira. Optou por uma pedra especial, capaz de enterrar ou abafar qualquer gemido. Assim o fez.

Ao término do trabalho, pudemos retomar o ritmo normal de respiração e de vida. Estávamos visivelmente aliviados e os dias e as noites incidiam normalmente, junto com minhas fantasias.

O cão permanecia esparramado aos pés de minha cama, como nos dias anteriores.

Em especial, no momento em que nos recolhemos para o sono dos justos, aquela noite parecia mais escura e sem estrelas que outras já vistas por meus olhos inquietos. Enigmática demais!

E o vento provocado pelo derradeiro suspiro dessa noite, justamente o que antecede seu misterioso encontro com a madrugada, fez com que acordássemos num sobressalto inusitado.

O cão latia, os pelos arrepiavam, minha mãe tremia da cabeça aos pés, minha irmã se encolhia debaixo do lençol enquanto eu e meu pai, por mais uma vez, procurávamos identificar o eco de tanta lamúria.

Como nas tentativas anteriores, não havia ponto de partida, tampouco de chegada.

Neko, debaixo da cama, com as orelhas em pé, uivava tal qual um pequeno lobo em montanha nevada, num diálogo louco com alma do outro mundo.

Era noite, era dia e ninguém conseguia fechar os olhos. Os gemidos vinham do interior das pedras da escada, como se fossem ocas. Assemelhavam-se às carpideiras das histórias que meu avô contava ao redor da fogueira, por ocasião dos encontros macabros que fazíamos em seu sítio.

Era tal o desespero da família que num ímpeto vi meus braços enlaçar as pedras na tentativa de aquietá-las e aquecer a alma ali enterrada.

Ela estava dura e fria. Tanto, que momentaneamente senti meu coração enregelar-se ao tempo em que o dela se aquecia.

A felicidade, de fato, não dura muito, concluí. Sei agora, que na vida nada é tão perfeito quanto viagens realizadas em sonhos.

Nosso sobrado ainda não era tão iluminado quanto os que eu já havia visitado, porém, eu ainda tinha Neko e minha janela.

Ah! E o grande galho da árvore, agora repleto de flores - minha ponte para adentrar a realidade que acenava do lado de fora.



Heleida, abril de 2005, revisado em 2007


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