TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (52)
Das duas únicas vezes que estive em Washington DC, durante minha estada nos EEUU, para estudar, uma delas incluía um pouco de turismo. Assim sendo, fui visitar o monumento a Abraham Lincoln, que todo mundo conhece ciberneticamente, sem sair de casa. Aquele edifício clássico, adornado/amparado por colunas enormes, num pé direito muitas vezes mais alto do que um turista. Exagero do arquiteto? Talvez. Mas no mínimo preserva a memória de alguém que, sob todas as intempéries, concorreu para dizimar a escravidão, durante um árduo tempo. Republicano (porque ninguém era de ferro), e aquariano de Kentucky, foi muito criticado por uma boa parcela de seus aliados e por ter sido muito prudente na abolição da escravatura. Mesmo assim, debaixo desse cenário meio desfavorável, liderou a nação durante o conflito da Guerra Civil americana. Para variar o pano de fundo, era também advogado esse décimo-sexto presidente da nação manda-chuva. E perdeu por duas vezes a eleição para o Senado. Lincoln era bom de retórica, próprio da rapaziada do Direito.
Os republicanos radicais não desejavam a abolição da escravatura, senão a seu modo. Aliás, grande parte do mandato foi utilizado para reconciliar e abrandar os ànimos dos barulhentos xiitas da Guerra de Secessão. Nisso, em muito vemos alguma semelhança nos dias pandemónicos de nossa política partidária. Curioso é que Lincoln não saiu do seu gabinete, negociando uma vereda menos sangrenta, ainda que, contraditoriamente, a guerra civil tenha dizimado em torno de novecentas mil almas, entre civis e militares, número maior do que a guerra do Vietnam. Poucos dias depois da rendição definitiva dos Confederados, ele é o primeiro presidente norte-americano assassinado.
No exercício da função fanática de matador, John Wilkes BOOTH, um famoso ator medíocre, era um espião dos Confederados e já houvera uma vez planejado sequestrar o presidente. Depois de ouvir um discurso de Lincoln que prometia direito de voto aos negros, Booth, irado, não tirou por menos: com a anuência dos cúmplices separatistas, planejara assassinar o presidente no teatro. A ação homicida foi simultaneamente repetida com os assassínios do vice-presidente e do secretário de Estado.
O presidente, sem seu guarda-costas particular, lhe teria contado , dias antes, um sonho onde previa sua morte iminente. Valendo-se de um momento humorístico na peça "Nosso primo americano", Booth furtivamente entrou no camarote e, sob o barulho das risadas da plateia, atirou a queima-roupa no presidente. O tiro disparado por uma pistola calibre 44, atingiu Lincoln na cabeça, sob o olhar perplexo do casal Henry Hathborne, um militar, e sua noiva Clara Harris. O militar tentou agarrar Booth em sua tarefa já consumada, mas foi golpeado por uma arma branca que o assassino empunhava. Enlouquecido, ao ver o ato devidamente concretizado e o major Hathborne debalde com um profundo ferimento no braço, ele corre para o palco e, como um herói solitário à s avessas grita em latim: "Sic semper tyranis", assim sempre ocorre a um tirano. Feito isso, correu em disparada, que pese o ferimento na perna no momento em que pulou ensandecido para o palco do teatro. Perseguido implacavelmente pelo FBI da época, foi encurralado e baleado dentro de um celeiro no estado da Virgínia. O corpo de Abraham Lincoln foi sepultado na cidade de Springfield, Illinois.
No próximo 12 de fevereiro, Abraham Lincoln, carrancudo à Beethoven, faria 204 anos de existência, ele que morrera prematuramente aos 56 anos de idade. Algumas coincidências se verificam nesses acontecimentos, com a morte brutal de Júlio César, general romano. A primeira se dá pelo sonho do homem, numa premonição de sua morte trágica, ao contrário do imperador, cuja mulher tivera o mesmo presságio/pesadelo, pedindo-lhe para não ir ao Senado. A segunda em relação ao nome dos assassinos: Booth e Brutus, que teria sido o último a esfaquear seu melhor amigo, quase um filho. (O vocábulo booth em língua inglesa, quer dizer cabine telefónica).
Nessa sexta-feira, dia 25, estreia em muitas salas de cinema no território nacional, o filme "Lincoln", uma portentosa produção americana, tendo Daniel Day-Lewis no papel principal. Minha dedicação de cinéfilo inveterado não será satisfeita. Parece pirraça ou coisa de menino mijão, mas não estou disposto a sentar numa sala de projeção, ainda que bem refrigerada, e ser submetido ao barulho do mastigar de pipoca e o som brega dos "Tasaonde", que é o nome adotado por mim para os aparelhos celulares. Esperarei pelo DVD e desejo uma boa sessão aos caríssimos leitores... se os há.
___________________________________________________________
WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
24.01.2013
|