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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (57) -- 08/02/2013 - 07:54 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (57)

Meu primeiro empregador, diretor-presidente de uma empresa de outdoor ainda existente, odiava profundamente Fidel Castro, o comandante. Seu funcionário, com 16 anos e começando a vida profissional, ouvi uma vez de sua boca: "O mal por si se destrói". Essa frase foi pronunciada com tanto asco, que destilava na cara dele um rubor de quem estava vaticinando o fim de Cuba, da revolução, da liberdade. Ficava evidente que ele gostaria muito de, como os americanos idiotas de Miami, fazer piquenique e bordel nos hotéis da pérola do Caribe sob o beneplácito de Fulgêncio Batista. Tudo isso foi devidamente provocado por mim, um adolescente metido a besta, mas relativamente bem informado. É que resolvi defender a guerrilha contra o tio Sam. Consequentemente, ele me retirava das oficinas de pintura e me transformava num escriturário, porque eu havia ganhado um curso de datilografia. Num colégio do bairro da Encruzilhada, Recife, o diretor me custeou o intensivo, por eu haver desenhado o retrato da matriarca, mulher do próprio. Sendo assim, me transformei no primeiro adolescente "gerente" de escritório, na prática rotineira dos "slips", preparação da folha de pagamento e outras ninharias de uma microempresa. Talvez por isso, tenha me tornado um Administrador profissional mais tarde. Mas a vacafria, o tema Cuba de Fidel, continua em pauta e minha memória não vai falhar.

A família Santos, tendo à frente o patriarca, um homem de estatura baixa, que fazia questão de passar o indicador de baixo pra cima do antebraço aparando o suor e levando-o ao meu nariz, era de classe média alta. Esse homem, tal professor Capibaribe, trazia no nome um ar aburguesado, a começar pelo perfume francês que usava. Admirado pela rafaméia de Campo Grande, subúrbio da zona norte do Recife, andava posudo e jactante. Ressalte-se que, ao conversar com ele, pude sentir de perto, sua aversão aos vitoriosos da Baía dos Porcos, contra os gringos. Sem dúvida, o comandante da empresa de outdoor aprendera com o pai a mesma lição de anticomunismo visceral. Não foi à toa que apoiaram intransigentemente a passeata nacional chamada "Marcha com deus pela liberdade", um aperitivo vestibular para a tomada de poder pelos militares em 1964. Eu, simpatizante e membro da UMES/União metropolitana dos estudantes secundaristas, já havia arribado da "Bandeirantes outdoor" me preparando para ingressar na SUDENE, onde muito pude aprender sobre política.

Ainda hoje resisto a crer que minha mãe, piedosa devota de Santo António, me tenha feito afilhado de crisma (!) de um patrão reacionário. Em reconhecimento, todavia, devo reconhecer que fui aceito em sua empresa para começar minha futura carreira profissional, embora o pai não gostasse nada disso. Passaram-se todos os anos envoltos nos episódios que a História registrou inexoravelmente, fazendo de Cuba, uma ilha com algumas contradições, mas palco de um povo que ainda hoje aceita, com raras exceções, o grande feito de enxotar Batista. O bloqueio económico, as bases em Guantánamo e outras quizombas mais, já constituem por si só, outros quinhentos. Nos filmes e documentários podemos conhecer uma Havana que se destaca pela diferenciação da paisagem social e económica. A par disso, todos conhecem a frase: "o socialismo exige sacrifícios, o capitalismo, fantasia". Pudera, não seria nada fácil arrumar uma casa, sobrevivendo de cana de açúcar, sem um solo rico de combustíveis fósseis. Fica evidente também que aqueles que não acataram o triunfo da revolução cubana, a ela não se alinhariam fugindo para o outro lado, invadindo o território americano via marítima. E muitos morreram, milhares foram aprisionados por forças da Guarda costeira estadunidense e uma grande maioria deportada. As exceções se encontram naqueles que, dominando o idioma e possuidores de algum talento especial, tornaram-se atores e atrizes em Hollywood. Mas se os contam nos dedos das mãos.
A despeito desse quadro desfavorável, depois desses 50 anos da revolução cubana, a ilha tenta se adaptar às demandas mundiais muito lentamente mas vislumbrando, através de alguns, o porvir de uma sustentável democracia. Não tive ainda a oportunidade de molhar os pés no oceano que a rodeia, mas tenho esperança de lá ir um dia. Enquanto isso, ao redor do mundo inteiro, as notícias se espalham de que, sob os porões dessa "ditadura" que começa a dar sinais de fadiga, muitos estão trancafiados e, desgraçadamente, muitos foram mortos pelo regime. Raul Castro, braço direito do comandante Fidel, assumiu o poder com o apoio maciço da população. No noticiário internacional, uma cubana e blogueira chamada Yoani Sánchez, transformou-se em um ícone pela sua campanha em busca de liberdade de expressão e seus derivados. Depois de muitas tentativas para ganhar o visto de saída do país, ela conseguiu finalmente e se prepara inclusive para conhecer o Brasil, a Bahia em particular. Ciente dos erros cometidos e alguns excessos que toda revolução pratica conscientemente, continuo admirando Fidel. Não pelas retaliações, pelos atos de vingança, pela fúria da vitória. Admiro-o pelo desprendimento, pelas ações pontuais e pelo quase messianismo, quando tentou ser Davi diante do gorila do ainda imperialismo internacional: os Estados Unidos da América. Tenho uma filha casada com um xará ítalo-americano e aculturada por lá, em Boston. Mas jamais diria a ela, em qualquer circunstància, o que meu primeiro empregador me disse. Se a busca da liberdade é um mal, então somos todos maldosos ou, ao contrário, nosso maniqueísmo é apenas de fachada, falso o suficiente para não distinguir o que realmente pode nos destruir.
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Erratum: no texto 58, onde se lê modus pensandum, leia-se modus pensandi.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
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