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Contos-->Amnésia -- 18/09/2001 - 00:50 (Pedro Luis Bello Daldegan) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ele abriu os olhos. Por um momento reconheceu o lugar, mas esse reconhecimento não durou muito: no instante seguinte já não sabia mais onde estava. Forçou a memória. Procurou por algum detalhe que lhe desse alguma pista. Nada.
Tentou, então, se lembrar do que fazia ali. Foi ai que percebeu, para seu desespero, que não se lembrava nem ao menos de seu próprio nome. Mais do que isso: não tinha nem a mais vaga idéia de quem era ele.
Levantou-se e pôs-se a vagar pelo quarto, sem rumo, pensando. Foi até o banheiro e se postou diante do espelho. O que viu foi um rosto maduro, quarenta anos talvez. Tinha um olhar desemparado, e um tanto perplexo. Quem seria ele afinal?
Continuou a se fitar por um longo tempo, na esperança de que algum foco de lembrança surgisse. O rosto lhe parecia abatido. A idéia de doença flutuou de maneira vaga em sua mente. Teria estado ele doente? Não conseguia se lembrar.
Voltou para o quarto e deitou-se novamente. Fechou os olhos e tentou limpar a mente de qualquer pensamento. Nada.
Por alguns instantes sua memória parecia querer voltar. Ele tinha a impressão que iria se lembrar, mas logo em seguida, com a mesma rapidez com que essa impressão vinha, ela ia embora, deixando-o ali sozinho naquele quarto estranho.
Abriu os olhos novamente e viu o teto. Aquele lustre de cristal... Uma forte sensação de dejá-vu se abateu sobre ele. Aquilo já havia acontecido antes! Seu desconforto tornou-se ainda maior.
Rolou na cama e desejou sair. Levantou-se e foi até a janela. Abriu-a. A vista era de um imenso jardim. O dia estava ensolarado, o céu de um azul intenso, uma suave brisa fresca soprando preguiçosamente. O perfume das flores lhe invadiu as narinas e ele amou aquele lugar. Amou a sensação de estar vivo. E sentiu-se deprimido por não se lembrar quem era. Queria gozar aquele momento plenamente, mas sentia-se incapaz disso não se lembrando de nada.
Foi então que ele a viu, a linda garota passeando no meio dos arbustos com sua boneca, cantarolando para si própria. Como que adivinhando a sua presença, ela ergueu o olhar e o viu na janela. Ameaçou cumprimentá-lo, mas o aceno não passou de um gesto incompleto, tímido e desajeitado. Baixou o olhar rapidamente, e com uma expressão triste seguiu o seu caminho, silenciosa.
Uma onda de tristeza o invadiu. Ele devia, de alguma forma, estar ligado àquela garota. Talvez até fosse o seu pai. Mas não conseguia sentir nada por ela. Sentiu-se só, completamente só.
Carregado de autopiedade, fechou a janela e voltou a se deitar. Não se atrevia a sair do quarto. Sentia que continuaria sem conseguir se lembrar de coisa alguma se saisse dali. Sentia que conseguiria apenas acentuar ainda mais o seu estado depressivo e sua sensação de solidão.
Ficou ali deitado, desejando desesperadamente uma lembrança qualquer. E ela não vinha.
Depois de alguns minutos, sentia-se cansado e desanimado. Queria dormir, adiar seu problema, sonhar, esquecer que não se lembrava.
Não sentia sono, mas aos poucos, de tanto desejá-lo, o sono começou a possuí-lo. Os pensamentos começaram a se misturar. A consciência cedia.
De repente, em seu sonho, ele sabia quem ele era: o próspero empresário Felipe de Giordano Júnior, dono de uma das maiores transportadoras do país. Como podia ter se esquecido? Quis acordar e provar para si mesmo que ainda se lembrava de sua própria identidade, mas as memórias vinham em torrentes e ele não quis abandoná-las.
Em seu sonho viu sua mulher Laura passeando no jardim de sua casa com sua linda filha Carol. Sim, ela era sua filha, e, meu Deus, como ele a amava! Desejou se levantar, correr para ela, abraçá-la, enchê-la de beijos carinhosos e dizer-lhe que a amava. Mas continuou dormindo, e sonhando, e tendo lembranças. Desejou abraçar Laura, e, chorando em seu ombro, pedir-lhe perdão.
Sim, perdão... ele precisava disso também. Lembrou-se de como ele ficou cansado de tudo, das pressões, do stress. Lembrou-se da depressão, do analista, das sessões, de como desejou abandonar tudo, fugir, esquecer... morrer.
Lembrou-se do dia em que chegou em casa tão cansado da vida que desejou se deitar e nunca mais levantar. Sonhar para sempre. Se ao menos tivesse olhado de lado e visto o inocente sorriso nos lábios de sua filha...
A overdose de remédios não o matou, apenas provocou uma forte amnésia. Mas agora ele se lembrava de tudo. Como havia sido tolo!
Sentiu que o sono começava a ceder. Não resistiu. Iria correndo abraçar Laura e Carol, e pedir-lhes perdão, e dizer-lhes o quanto ele as amava. Era a única coisa importante a fazer.
Ele abriu os olhos. Por um momento reconheceu o lugar, mas esse reconhecimento não durou muito: no instante seguinte já não sabia mais onde estava. Forçou a memória. Procurou por algum detalhe que lhe desse alguma pista. Nada.
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