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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (76) -- 29/03/2013 - 22:02 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (76)

Numa sexta-feira da paixão, resolvo mudar de programa. Mas não posso asseverar ter sido o único. Deve haver por aí, nos confins de um nordeste sem chuvas, muitos que tenham procedido assim. Neste dia de recolhimento e penitência, decido mergulhar noutro tipo de paixão. Ligo a tevê e me deparo com outra forma de sacrifício. E é através do testemunho da arte, da magia do cinema. Pela enésima vez reservo esses cem minutos para rever "My week with Marilyn". O diretor do filme, Simon Curtis, leva a sério um tema que poderia ter sumido no ralo da vulgaridade. Não à toa a BBC filmes teria exposto sua marca num roteiro qualquer. E este é escrito por Adrian Hodges em cima das anotações de Colin Clark, que sortudamente conheceu Miss Monroe. Pois bem cidadão, é essa moça mesmo, aparentemente frágil, desprotegida e de infància difícil. E pensar que durante minha verde adolescência colei na parede do quarto aquela famosa folhinha, sob a cara feia de minha mãe. E imaginar que, depois que vi "Quanto mais quente melhor", continuaria a transgredir meu conjunto de princípios morais. Ali está ela, Michelle Williams, encarnando a todo vapor esse ícone, essa diva, esse furacão chamado Marilyn. Qualquer um em seu estado regular neuropsicológico, jamais associará a atriz a uma mulher neurotizada. Nenhum psicanalista de boa vontade e estilo próprio, ocultaria seu mais íntimo desejo incontido, diante desse tipo de paciente. Às favas com a regra básica e a ortodoxia da psicanálise. Arthur Miller, seu marido à época, não conseguiu conciliar sua imaginação de literato com a curta vivência ao lado dessa mulher. O filme, cuja narrativa é leve, dinàmica e propícia, não pretende carregar nas tintas do estereótipo, do maneirismo dejá vu. Os detalhes correspondem à densidade do todo. Essa é uma Marilyn que não conheci noutros documentários. E há muitos deles. Evidente que, sob o prisma de alguém muito jovem, Colin Clark, de família tradicional londrina, as pinceladas trazidas ao mundo peculiar do cinema, possam não traduzir a policromia do real. O leitmotiv se desenvolve durante a filmagem de uma obra madura a ser protagonizada por uma Marilyn incipiente, insegura e carente. Sobretudo porque antes, a mulher de Sir Lawrence Olivier, certa Vivien Leigh, já era uma atriz quarentona, experiente e macaca velha no mister. O ator shakespeariano (!) Kenneth Branagh encarna um Olivier, que do túmulo o teria aplaudido.

E quando você inveterado cinéfilo for ver esse filme (se ainda não viu) recomendo que compre o DVD e repita tantas vezes puder. Exceto se é alguém muito ocupado com sua vida real e não possa fazê-lo. Paciência: aquela sequência do lago em que ela seduz o imberbe Colin e entra n´água com a maravilhosa "Autum leaves" na voz do incrível Nat "king" Cole é insuperável. Falar nisso, me lembro comovido do competente sexagenário Emílio Santiago, com sua voz aproximadamente coleana. O autoritarismo do diretor Olivier no filme do filme "O príncipe adormecido", sucumbe à beleza quase transcendente de Mrs. Miller, como o médico a chamou durante uma gravidez frustrada. Se tudo corresponder ao que a realidade comportou durante os anos cinquenta, o roteiro do filme se manterá intato e verdadeiro. A chegada de Marilyn a Londres, o casamento complicado com um intelectual, a escolta de uma assistente stanislavskiana chamada Paula, tudo concorre para a dúvida sistemática do espectador. A fotografia é discreta mas envolvente e consegue reproduzir, ao lado do vestuário, os signos de uma época. Essa Marilyn que estávamos habituados a ter na conta de uma arrivista junto a personagens kennedyanos, se desvanece de algum modo. Mesmo porque era toda uma paisagem primordial de uma mulher que tentava assumir um papel rebelde num tempo de conservadorismo e caretice. Marilyn talvez tenha personificado a imagem humana de quem desce aos infernos para testar seu destino. E quando me refiro ao inverso do céu é porque é assim que o livro sagrado denomina a terra, o mundo no qual vivemos. Para os mais versados na escatologia geral ou restrita, quem sabe Marilyn tenha sido um totem obscuro, perdido em si mesmo e mergulhado em sua amarga existência. Como tantas outras figuras representativas e talentosas do mundo artístico, ela não consegue se dar conta do que é, mas do que os outros imaginam que possa ser. A beleza externa jamais está associada a um ser humano, carne e osso, em sua plena interioridade. Talvez se trate de uma deusa, como para Colin Clark, inalcançável, no entanto fragilíssima que nem uma boneca de porcelana à luz da realidade.

No final - e há sempre um final - ela resplandece, como que egressa de um longo e exaustivo sonho, ressuscitando de sua morte simbólica. Ao apagar das luzes, no cair do pano, sozinha sob o preciso holofote da fatalidade, retorna à vida e canta sublimemente "That old black magic", essa velha magia negra chamada amor.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
29.03.2013
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