Usina de Letras
Usina de Letras
157 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62178 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50582)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (90) -- 07/06/2013 - 21:57 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (90)

O período é propício e se avizinha. Um forrozinho pé-de-serra é gostoso, faz bem à cardiovasculação e nos faz esquecer certos problemas. Desde muito tempo aprecio a dança de salão e confesso que já fui mais, digamos, afoito. No subúrbio havia um costume que hoje suponho esteja extinto. Era o "assustado", que no sudeste tinha outro nome. Os donos da casa eram avisados e a única providência era dispor a sala e os sanitários. O restante a rapaziada portava: copos, bebidas e às vezes, até talheres. Fumar era permitido à beça e eu próprio fui até o ano de setenta e um, um praticante do tabagismo. E para ser mais honesto, fumava somente pra me exibir. Havia no centro do Recife uma barraca "Azul e Branco" onde campeava o contrabando de cigarros estrangeiros. Curioso nisso tudo é que um tabagista que se prezava, fumava antes, durante e depois da dança. "Peter Stuyvesant" era meu cigarro predileto.
Cultura inútil ou não, no verso do maço, estava em inglês: "The man who founded New York...". Complementando, esse cidadão, além de haver fundado Nova Iorque, andou pela Veneza brasileira quando os holandeses do companheiro Maurício integravam o grupo.
A própria música já incentivava: "fumar é um prazer embriagador". Diga-se por justiça que se privilegiava muito mais o bolero e o beguine, do que propriamente o forró, fora do período festivo. Centenário hoje, Luiz Gonzaga era tão presente nas festas juninas, quanto Capiba durante o carnaval. A memória randómica não me ajuda a lembrar se o bestialógico musical já fazia parte do repertório junino. Creio que não. Algumas incursões em Jackson do pandeiro e numa ou noutra cantora de renome nacional, pontificavam. Se foram ou não bons tempos, meu saudosismo me impede de afirmar. Mas estou certo de que a dança da "quadrilha" foi e ainda será durante muito tempo, uma excelente diversão junina.
Para o perfeito funcionamento da dança de "quadrilha", havia o "gritador" cujo papel era orientar os casais nas intrincadas evoluções. (Como detalhe trágico, informo que nosso gritador de quadrilha, era um amigo nosso, advogado recém-graduado, que num momento de alucinação, resolveu matar-se desferindo um tiro na cabeça). Para atingir o clímax no dia da apresentação, fundamentais eram os ensaios que se realizavam num clube suburbano, a AAVP - Associação Atlética Voluntários da Pátria, que dava nome a uma rua adjacente. Havia inclusive, para incentivo do costume, um disco gravado especialmente para animar e orientar os quadrilheiros, jovens como eu, estudantes trabalhadores e até certo ponto, "bon-vivants", no melhor sentido da palavra.
Faz alguns anos conheci uma espanhola de Barcelona. Morava no bairro do Espinheiro e era vizinha de Chico Science, não famoso ainda.
Com ela resolvemos durante um São João sair pelos subúrbios para que ela pudesse conhecer os costumes: a culinária, a dança e o décor. Ela gostou muito, habituada a conviver numa cidade espantosamente cultural e onde o custo de vida deverá ser o mais alto da Europa central. Dentre todas as quadrilhas que pudemos visitar e apreciar, apenas uma mantinha a tradição simples em sua exibição. Todas as demais insistiam em parecer "modernas", porque sofisticadas, com um vestuário vistoso e cheio de detalhes, prontinho para concorrer em certames juninos. Ainda hoje prevalecem tais grupos, incentivados pela mídia televisiva. Do meu modo de ver, não acho graça nenhuma. Apenas um colorido vistoso e coreografado como algumas danças folclóricas ao redor do mundo ocidental. Prefiro, a exemplo do forró pé-de-serra, algo mais telúrico, voltado às raízes, vestidos de chita.
Se estou sendo purista ou que seja, pouco importa, ao menos do ponto-vista de querer preservar origens. Para ser mais sincero e talvez conservador, não consegui me habituar ao jazz tecno ou jazz da última corrente. Por isso, meu ouvido de Mozart e Beethoven, aceita, com muito boa vontade, a criatividade de Gustav Mahler, mas até aí somente. Claro que só pode ser mesmo ignorància de minha parte. No caso da música popular, o cancioneiro junino, ainda continuo apreciando a poesia de Zé Dantas e Humberto Martins, célebres versejadores de Gonzaga em sua vasta obra. Falar nisso, mantenho ainda mais de 100 vinis, gonzagueando numa estante, à espera de um dia, digitalizá-los, conforme manda a sagrada tecnologia.
Quando se aproxima o período do São João, não posso - nem devo - me desgrudar desses tempos que ainda não se distanciaram o suficiente para me modernizar na aceitação dessa corrente de calipsos e magníficos e aviões (que não decolam em qualidade) do forró. Certa vez declarei sem nenhuma modéstia que meu ouvido não é latrina. Enquanto não chegam oficialmente os festejos de São João, permaneço curtindo a esperança de que, nas próximas encadernações, eu possa frasear como o filósofo Santayana: " Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo".
E, sem parecer exagero, já estou lustrando um dos meus sapatos sociais, de cor preta, para ir ao Clube das Pás, acompanhado de uma cidadã que é portadora de pés de ouro e do vírus da dança, que em última análise, terá sido a melhor invenção do homo sapiens, junto com a aspirina e a digitalização.

__________________________________________________________

WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
27.05.2013
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui