Quando me referi à s manifestações de rua acontecendo na espinha dorsal do país, achei até meio estranho de minha parte repetir o termo vàndalo. Talvez pelo espírito de Maria-vai-com-as-outras que nos assalta nessas horas ou por ser a primeira palavra enviada pelo cérebro. A rigor, Vàndalo era uma tribo germànica remota, que existiu no século primeiro desta era. Lá pelo século terceiro, um tanto barbaramente, invadiram a Roma antiga, destruindo várias obras de arte significativas. Ao contrário dos baderneiros atuais que freudianamente dilapidam todo ser inanimado, os vàndalos históricos só temiam o deus do cristianismo. Tanto que muitos deles se converteram. Só não sei se teria sido um grande negócio. Receio que teriam trocado seis por meia dúzia dada a existência das Cruzadas, alguns séculos depois. Com a distinção de que essas defendiam a tirania papal, um tipo de vandalismo dogmático.
Acompanhando a mídia dá pra se ter uma ideia do que seja um vàndalo nos dias correntes. Ele vem de várias camadas. Uma delas é da oportunidade de, em sendo meliante, surrupiar os pertences dos manifestantes que a essa hora do calor reivindicante, não têm como se defender. Noutra camada está o sadismo de, mesmo conscientemente, destruir o que em última análise, ajudou indiretamente a construir. E com um pouco mais de "cabeça fria", tenho dúvidas que apontam para uma tabela de incertezas quanto ao ponto político (não partidário) da questão. Aparentemente acéfalos - embora duvide também dessa acefalia - a grande massa etária da explosão urbana, ainda não completou 40 anos em sua maioria. É fato que teriam surgido no àmbito universitário e nas duas maiores cidades brasileiras. A contaminação se deu quase como em gravidade, pois a motivação de fundo seria mesmo o aumento de menos de dez por cento das tarifas, já revogada pelos senhores governantes. Será que a pressão das ruas é tanta que, depois do voto recebido, um dirigente imagina como Calígula: "agora vou fazer o que bem entender"? Mas não é bem assim. Acima dele, do dirigente, está uma penca de superegos: tribunais de contas, corregedorias, uma carta magna, cartas estaduais, leis orgànicas municipais etc.
E olhe-se que, apesar da existência de todo esse controle do estado democrático de direito, o vandalismo nas duas Casas maiores, não recua, porque ainda não convocamos a robótica para governar pessoas. O cinismo dos vàndalos eleitos pelo povo é tão exemplar, que até a tecnologia, imune a qualquer maniqueísmo, tem dificuldade. E ela se rende à imaginação dos advogados bem pagos, que conseguem na maioria das vezes provar que "aquele não sou eu", quando o cliente é acusado de ter sido filmado pelas càmeras de plantão. E se depois do flagra for constatado que aquele é o vàndalo de quem se trata, o insigne causídico que o assiste vai se munir de tudo o que a lei e os recursos decorrentes lhe permitirem. Ser vàndalo parlamentar, ao que tudo indica é uma das maiores dádivas que a democracia brasileira - leia-se o voto popular obrigatório - pode conceder a um cidadão de maioridade política. Se houver que se chegar a alguma conclusão, o que se faria muito prematuro, pode-se arriscar o palpite de que ser vàndalo intramuros é muito melhor do que a céu aberto. Ou estou sendo um generalista injusto e leviano?
Mas não desistamos, poderia ser muito pior. Já imaginaram a ordem ter surgido muito anterior ao caos que se teoriza ter existido antes de qualquer vandalismo? Vale repetir: é preferível um desconfortável esperneio a um conforto produzido pela melhor das passividades.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
21.06.2013