TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (102)
"O cinema é a derradeira arte perversa. Ele não dá o que você
deseja, mas como você deseja". Slavoj ZIZEK
Só consegui assistir a cinquenta por cento das respostas do filósofo esloveno Slavoj Zizek no "Roda Viva" dessa segunda-feira, 08 de julho. Mas não imagine que foi por desinteresse, ao contrário, foi por meu compromisso com o bem dormir. De fato, esse pensador nascido em Ljubljana*, na Eslovenia, tem provocado muita gente a acordar do seu sonho (ou fantasia?) capitalista. Hegeliano por excelência, Zizek prefere um Estado menos "paterno", mas algo mais fraterno, parceiro e não interferente nas escolhas humanas. Eis porque ele é inclusive psicanalista. As próprias escolhas de Zizek repousam sobre o universo intelectivo de Hegel, Marx e Lacan, psicólogo francês contemporàneo.
Não fosse a repetitiva síndrome de tiques nervosos do renomado filósofo e talvez minha atenção se voltasse mais para seu sistema de pensamento. Curioso é que, como conferencista, ele invariavelmente se veste de preto e isso é muito bom para quem quer chamar atenção para o que diz e não para o que aparenta ser. De raciocínio rápido e alta lucidez, Zizek revisita o dificultoso universo marxista, ao menos para tentar reassentá-lo nos dias atuais. Não se deve, no entanto, levar em conta o fato de ele se declarar comunista. Isso é o de menos. Difícil mesmo é acompanhar a extensão de sua compreensibilidade no como adaptar um mundo falsamente globalizado com o idealismo quase utópico na contemporização do marxismo.
Aqui e acolá ele se viu acuado pelos entrevistadores a trazer para o chão do mundo moderno, a praticidade na aplicação da teoria marxista à luz do universo hegeliano. Trocando em miúdos, qual a forma ou formas de fazer do comunismo, a práxis primordial nestes dias de glamourização consumista? E foi aí que Morfeu me pegou de jeito me fazendo perder as respostas dos dois últimos blocos do programa da tevê pública. Ora, se a maioria do ser vivente deste século deseja fantasia, por que se a iria levar para a ilha do sacrifício, como ficou claro quando ele se referiu à Cuba de Fidel? E ele, Zizek, sabe muito bem do fracasso do socialismo real. Aliás, ele faz questão de dizer que é comunista e não socialista, quando disse de alto e bom som no seu inglês sotaqueado: " Sou comunista, porque socialista era Hitler". Não me atrevo a tecer maiores comentários ao pensamento zizekiano no varejo, já que não o conheço bem no atacado. Li várias entrevistas suas, inclusive na excelente revista nacional CULT e uma na publicação nova-iorquina "The New Yorker". Sua influência no Ocidente se deu com a publicação de sua obra "O objeto sublime da ideologia", vez que ele defende dialeticamente ser o comunismo a única forma de reestabelecer os arranjos institucionais no mundo atual.
Daí seu radicalismo contra a praga que se ousa chamar de neoliberalismo. E ele também foi apelidado de "Elvis da teoria cultural". A fluência em vários idiomas, incluindo o francês donde sorveu os ensinamentos lacanianos, tornando-se psicanalista pela Universidade Paris VIII, faz de Zizek um pensador robustamente atual e atualizado.
Num mundo onde eclodem "primaveras" de mudança sócio institucionais, a Política tende a se tornar a principal peça de resistência no cardápio e na agenda dos governantes. O caso egípcio é um exemplo emblemático dessa provável revolução no modo de se arregimentarem as forças do pensamento humano para a reconstrução de um novo Estado. Se ele virá a ser novamente comunista, mudando seu conteúdo ao invés da forma, só o tempo e a temperança dos homens dirão.
Cabe a nós, pessoas de boa vontade e espírito altruísta, retirar da agenda e incorporar ao cotidiano de nosso debate, essa ingente perspectiva. Apenas e tão-somente para não reclamarmos mais tarde que não fomos personagens participativos dos principais problemas e carência de soluções do nosso tempo.
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*o "jota" tem som de "i" na língua eslovena.
