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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (101) -- 09/07/2013 - 08:35 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (101)


Com a saúde um tanto abalada, meu pai resolveu arrendar seu bar-restaurante a um oriental. Era coreano, grosseiro e não muito bem visto pela pequena colónia de imigrantes patrícios. Do nome dele não me lembro - nem me importo - pois o importante é que fui escalado para coletar a grana do arrendamento, mensalmente. Nessa época, iniciando minha carreira acadêmica, prestes a me concursar na Universidade Federal, arranjei mais essa bronca para resolver. A Escola de Administração funcionava na Rua do Hospício, no antigo prédio da Escola de Engenharia, início dos anos setenta. Ocupado com aulas e com os estudos do concurso, tive que me agendar no tempo discricionário para lidar com o esquálido homem de olho amendoado.
Julgando que meu conhecimento de finanças seria suficiente, pus-me a pressionar o tal coreano, de modo que ficara de passar no trabalho, pela manhã. Ele estava com três meses atrasados e só queria pagar um. Dos telefonemas, pouco entendi, porque ele sequer falava inglês. Certa manhã recebi um recado na Escola através da secretária, me avisando que o tal locatário viria falar comigo. A pessoa que deu o recado alertou a moça do mau-humor sul ou norte-coreano. Tudo bem. Falei o caso para o diretor da faculdade e ele, gentil e sabiamente, me chamou para ocupar seu gabinete no primeiro piso, uma vez que eu trabalhava no térreo, coordenando um curso de especialização. Acedi ao convite e me pus no gabinete, que contava com dois armários-segurança, ao menos isso.
No ínterim, com meus três botões, fiquei a imaginar: e se o senhor "chin-wu-huan" (!) fosse mestre em artes marciais, dessas em que somente a cara amarrada do contendor faz o adversário mijar nas calças? Que nada! Quando ele viu que tinha que subir e entrar numa sala ampla com dois seguranças a postos e vim cumprimentá-lo de forma polida, baixou a guarda. Ele era um homem de hábitos simples e muita gana de fazer do "Bar do Raul", um grande point de consumo de mão-de-vaca, chambaril e quejandos. Subiu meio apressado sentou-se e, enxugando o suor da longa caminhada desde a Avenida Dantas Barreto, puxou um envelope do bolso da calça.
Era o pagamento integral do seu débito. Pela primeira vez desde o início do meu contato com o cabra, vi um leve sorriso amarelo na face idem do homem. Da vez recente quando nos vimos no estacionamento, ele começou a vociferar em sua língua materna e eu, bom entendedor, só havia assimilado o tom nada sociável do esperneio. Aquele alívio para ambos, um arrendatário e outro arrendador. Essa história se deu no início do ano letivo de 1975, período que me marcou com muita profundidade pela morte do meu pai, em 09 de abril, um pouquinho depois desse episódio. Tudo isso me vem à tona, por um fato simplíssimo: o conflito social quando envolve dois ou mais homens.
A sábia convivência é aquela, por suposto, que se dá com a negociação visando ao binómio ganha/ganha. O que se tem visto nos nossos altercados dias é uma recorrente atmosfera de insatisfação que gera muitas vezes ódio e arruaças entre as gentes. Evidente que a raça humana já nasceu assim, um tanto perversa, quando muito pouco, mal-humorada. A adrenalina é o principal tempero que sói habitar nesse caldeirão social. Isso é um sintoma de um tipo de democracia, como querem alguns especialistas. Até concordo, embora saiba que, anarquista teórico como sou, o anarquismo estaria muitíssimo distante de se instalar nesta sociedade. E ainda bem que é apenas uma mera utopia, não um projeto. Mas o anarquismo só se instalaria, sabe lá quando, num estágio tão distante quanto uma missão espacial a Júpiter.
O conflito social, além de inevitável é próprio de uma espécie que descobriu um dia algo denominado dominação. No bojo desse enfoque, estão como sempre estiveram, as tais guerras santas, no oriente médio e adjacências. O caso do Egito, visível na mídia histórica, se reveste da maior importància nos dias atuais. Dá inclusive a impressão de que os governantes egípcios imaginam que o deus Ozires e seus comparsas, ainda exercem divina influência sobre a república frágil do islamismo. O Egito, donde se oriunda um tipo de concepção do homem, da felicidade e do eterno retorno à moda nietzschiana, pouco se dá conta da laicização do Estado. Ao pontual golpe de Estado eles conseguem criar um tipo de eufemismo que perpassa a cabeça do manifestante, indo às ruas julgando
pugnar por uma constituição de inspiração religiosa.
De minha parte venho repetindo que o conceito de estado laico refugiou-se na ilha das boas intenções. Não existe senão na vontade pétrea das cláusulas do artigo 5º da Constituição federal. No fundo, o que se crê mesmo, ainda que envolto nas malhas ilusórias da mente é que as pessoas supõem ser protegidas de cima para baixo, por algum deus cuja onipresença/onipotência, ajudará a minorar o rouco clamor das ruas. Suprema prioridade é a canonização de homens em santos e não a legitimação do Estado na proteção diuturna de seus povos.
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Erratum: no texto 100, onde se lê "Estranho acidente destronou Teresa", leia-se "Trágico acidente..."

WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
05.07.2013

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