Entrar na natureza orvalhada, respingada de raios de sol foi como abrir os olhos e estar diante de intocáveis cristais. Tão mágico quanto observar esses mesmos fiapos dourados driblando folhas na intenção de um mergulho carinhoso sobre águas frias de tanques que confinavam trutas sem fim... Espontaneamente, elas me ofereceram um espetáculo de nado sincronizado. Por esta razão, creio, elas se contentavam em passar seus dias contados sabendo que a qualquer instante poderiam ser fisgadas. O tempo não se alongou muito e a coreografia deu indícios de falhas quase que imperceptíveis. O cenário foi alterado e algumas das ágeis trutas passaram a fazer corpo de uma cena estática. A arte passou da água para deliciosos pratos especiais, prontos para serem degustados ao ar livre sob a copa da volumosa árvore de buquês rosados que pendiam como dádivas em direção a um toque suave.
(impossível não sentir culpa)
Meus olhos ganharam brilho após a vivência do quadro perfeito da natureza. O ar puro, que há muito não visitava meus pulmões poluídos pelo cotidiano paulistano aquietou meu coração e despertou ainda mais o desejo de saborear as ‘pobres’ trutas agora grelhadas na manteiga, com amêndoas, shitakes, alcaparras... acompanhadas do arroz aromatizado com ervas de Provence. A culpa pela morte foi minimizada pelo prazer proporcionado, assim como, pela noção da reprodução da própria natureza. Enquanto a digestão fazia seus movimentos, a letargia emergiu suavemente provocando pensamentos que ainda devem voejar por lá... Subitamente, a bruma estendeu seus longos braços, enlaçou a paisagem e a ocultou por completo. Sobrou a magia e paz que trouxe comigo.