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cronicas-->TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (112) -- 24/08/2013 - 08:04 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TRADIÇÕES, CONTRADIÇÕES (112)
"Não possuir algumas das coisas que desejamos é parte
indispensável da felicidade". Bertrand Russell

Se parece ironia, vá lá; mas é esdrúxulo ou mesmo irónico saber que numa área de preservação ambiental, alguém engaiole uma grande população de aves. Ou, noutra análise, a ignorància conduza uma pessoa, por mais bem intencionada seja, a infringir o artigo vinte e nove da lei 9605/98, que trata dos crimes ambientais.
Art. 29 - Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.

Coincidentemente, o criador é nosso vizinho recém-desembarcado na rua onde moramos em Camaragibe. Manhã dessas, bem cedinho, um operário me informava cheio de orgulho: "o Senhor fulano de tal é o maior passarinheiro do Brasil". Não comentei nada, apenas ouvi decepcionado. Noutra ocasião, já faz algum tempo, um fiscal do IBAMA me confidenciava que não existe licença própria para aprisionamento de pássaros silvestres. E ainda adiantou que certo cidadão teria desembolsado um milhão de reais de uma multa que lhe foi imposta. O fiscal me disse também que ele, o infrator, assinara o cheque na maior tranquilidade. Considerando que há gosto e dinheiro pra tudo, não prescindirei jamais o prazer de ver os bandos de quero-quero voando acima do meu nariz em minhas caminhadas matinais.

Ironicamente, ainda, posso ver passar de moto, bicicleta ou automóvel, uma turma que aprecia ver os pássaros da mata atlàntica, dentro das gaiolas. Essas são bem acondicionadas em invólucro de tecido branco que eles, os passarinheiros, carregam às costas. Às vezes, apenas para provocar, pergunto algo do tipo: "Você sabe qual é a maior vontade desse papa-capim?" O passarinheiro, pego de surpresa, me olha meio sem graça e, sem emitir resposta, ouve a minha: "É ver você dentro da gaiola". Dado o pano rápido da cena, saio rápido como se nada tivesse acontecido. Uma vez perdida dá pra se avistar alguma S10 do órgão fiscalizador, mas não vi nem sei se eles multam os infratores. Num país como esse, pleno de leis ordinárias, não há número correspondente de gente para aplicá-las devidamente. Não tenho nenhuma ilusão quanto a isso. Num texto mais anterior, eu próprio fazia o mea culpa quando estampei em italiano "siamo tutti trasgressori". E é o que somos, uns mais outros menos. Principalmente agora com esse novo estilo de protestar nas ruas. O protesto, como um recurso presencial e indignado da democracia, até que tem lá sua origem e significado. Ruim mesmo é a refrega, a luta corporal e a dilapidação dos patrimónios público e privado. Isso é transgressão.

Das dez milhões de espécies da natureza, apenas um quarto delas foi catalogado pela Ciência até agora. E a lei natural não prevê reservas especiais para as espécies já extintas, ao menos se respeitamos e acreditamos em Charles Darwin. O desperdício em qualquer área ou segmento da natureza é visto pelo ser humano, como algo banal. As pessoas desinformadas creem que há reposição para tudo. Mas não há. O suposto progresso tecnológico paga um preço muito alto e visivelmente irreversível. Sidarta Gautama, o Buda, dizia sabiamente: "Reduz o desejo para aplacares o sofrimento". Mas quem de nós é capaz de resistir a um penduricalho novo para usar em casa, no carro ou no pescoço? Enquanto alguns seguram o mais que podem essa ansiedade voltada para o "ter", a grande maioria faz questão de expressá-la.

E consequentemente, nesse mundo descartável e supérfluo, delega-se para segundo plano o exercício do "ser". Visite-se um site de compras e se verá que aquele produto tão desejado já foi vendido milhares de vezes em números garrafais. O consumismo é hoje uma espécie de seita global e inconsciente, muito mais do que uma mera compulsão. O controle, que deveria ser de dentro para fora, à moda budista, acaba se tornando um mecanismo de defesa, do tipo "o dinheiro é meu e faço dele o que bem quiser". Não nego que sou um grande consumidor de literatura e cinema e que adquiro bastante o ano inteiro. Dou-me por satisfeito porque meu bolso tem o tamanho exato do meu desejo e a medida justa de não querer atingir um alto grau de sofrimento ou inadimplência.

A propósito de pássaros e literatura e para concluir o tema das transgressões, contarei uma historinha dos anos setenta. Quando visitei certa vez o apartamento do renomado carioca artista performático Hélio Oiticica,* em Nova Iorque, havia um detalhe curiosíssimo. Ao longo do comprido corredor viam-se gaiolas cheias de livros, penduradas no teto. Coisa de anarquista/ transgressor.
E quanto aos pássaros, espero que não se tenha de mudar os famosos versos de Gonçalves Dias, para: "Minha terra tem gaiolas onde se prende o sabiá".
_____________________________________________________
* Hélio Oiticica - Rio de Janeiro (1937/1980)

WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE
15.08.2013


















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