Durante rápida passagem pelo balneário do Sport Clube do Recife, conheci um cara. Francês, estatura alta, branco e bem-falante. Escolhi esse sítio porque levava as crianças para nadar, bem antes de poder usufruir desse conforto residencial. Todos os sábados lá estava e frequentemente me encontrava com o fisioterapeuta europeu. Conversávamos sobre tudo incluindo literatura. Ele se dizia inventor, embora eu não tivesse conhecido nenhuma de suas invenções. Durante a semana correspondia à s suas orientações fisioterápicas, por conta de minhas escolioses cervical e lombar. Isso tudo ocorreu nos fins dos setenta e início dos oitenta. Minha colega na CHESF, a funcionária Leda, pessoa da melhor cepa, era tradutora na empresa e mulher do dito cidadão. Ela morrera prematuramente em acidente de carro.
O tempo passou e certo dia encontro-me com ele, já médico graduado. Nem sabia que resolvera estudar medicina no Recife.
Agora, travestido de homeopata, levei-lhe uma pessoa de minha íntima relação, para consulta. Travamos um pequeno bate-papo, não mais tão estreito e caloroso quanto dantes, por motivos óbvios. Semanas atrás, durante uma de minhas inalteráveis audições de rádio, eis que ouço alguém entrevistando o camarada e mais um professor universitário. Atentei para a entrevista e inferi que os interlocutores defendiam a filosofia do panteísmo.
E eu que já havia julgada extinta ou amornecida a ideia de que existe um deus em todas as coisas, lugares e células. De início imaginei que se tratasse do revival de outro monoteísmo ou, quem sabe, da exumação idearia do velho Baruch Spinoza.
Como sabem, o panteísmo vem de longe, provavelmente dos atomistas no período pré-socrático. Em última análise, diga-se que se atribui quase que exclusivamente ao filósofo holandês, as linhas principais da ideia de que há um deus em tudo. Quando li Spinoza (1632/1677) apreciei-o de pronto, embora não o haja entendido em sua totalidade intelectiva. Consideram-no um pensador racionalista, sob grande influência de René Descartes (1596/1650) eminente matemático francês.
Não consegui mergulhar por completo no spinozismo da "Ética", sua principal obra. Em suma, ele desenvolveu ideias cartesianas, diferentemente da orientação dada por Leibniz (1646/1716). Toda essa digressão é apenas para constatar que não concordei prontamente com a exumação do panteísmo à maneira do pensamento do francês a quem me referi. Ora, se tomar por base a argumentação do médico Regis Allain Barbier, de que o cosmos contém o panteísmo, não me empolga a recíproca. Grosso modo, minha interpretação, ainda que primária, é de que, na falta de outro tipo de visão religiosa - o que os entrevistados rejeitam - busca-se a edificação de algo que justifique a onipresença holística do deus. Ele estaria na orquídea e no excremento.
Então, o que de líquido restaria, seria a ideia de que em todos os recantos, esquinas, micro e macro cosmicamente se encontra o imprimatur divino. Anuncia a dupla de "inventores" filósofos, que no próximo mês de novembro, eles promoverão um evento
ou algo semelhante para esclarecer melhor o assunto. Defensor diuturno da dúvida sistemática, quem sabe por lá passarei para tentar entender melhor o nascimento e/ou renascimento do panteísmo.
Por enquanto, já que o ínclito esculápio Barbier, a quem não vejo faz anos, insiste em que existe um deus no gene da anêmona e nos arredores de Andrómeda, contento-me com os simples e naturalíssimos nascer e por do sol diariamente.
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