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Artigos-->AS CIDADES INVISÍVEIS de Italo Calvino (uma resenha) -- 14/07/2001 - 22:32 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
[Esta resenha foi escrita originalmente para o suplemento OXOUzine, Tribuna Impressa de Araraquara.]



_________________________



Ora, mas para que falar “Cidades Invisíveis” assim sem nenhum propósito mais imediato, nenhum pragmatismo, não é lançamento, nem nada. Já passou, poderia pensar alguém habituado ao chamado funcionamento literário.

Pois é. Só que não há como não voltar aos clássicos. O próprio Calvino deixou uma série de palestras compiladas sob o título: “Por que ler os clássicos?” E ninguém haverá de negar - quem não leu, leia - que “Cidades Invisíveis” é uma obra genial, um clássico, obra fadada à permanência. Italo Calvino, falecido não faz muito tempo, é um dos mais importantes escritores italianos deste século, tendo sido um dos que maior projeção conseguiu em escala mundial. Suas obras foram traduzidas para inúmeros idiomas. O leitor brasileiro pode ter acesso à maior parte do que ele deixou escrito.

Em entrevista recente, o escritor argentino Bioy Casares, contemporâneo, amigo pessoal e parceiro de Borges, manifestava a impressão de que Calvino começava muito bem as suas obras, mas não sabia como terminá-las. Bioy Casares é considerado um dos grandes mestres da literatura fantástica. Não estamos falando do realismo fantástico, para muitos não mais que uma invencionice do mercado, que resultou no chamado boom latino-americano, motivo para grande irritação entre escritores europeus. Trata-se, isto sim, da grande tradição da literatura fantástica, do maravilhoso despido de compromissos regionalistas. Com exceção de alguns grandes escritores desse boom e de algumas obras-primas, o grosso poderia ser classificado, como faria Oswald, como “macumba para turistas”, com um toque, digamos, cucaracha.

De volta às “Cidades Invisíveis”, é um livro fantástico em todos os sentidos, desses que a gente não se cansa de reler. Não gasta como se gastam os best-sellers, as modas, os chamados “sarampões literários”. E, dentro de certa medida, pode-se dizer que é também um best-seller. E não pelas razões de mercado apenas. Como dizíamos, está fadado à permanência.

É uma coletânea de textos curtos, de página ou página e meia, cada um deles contendo a descrição de uma cidade imaginária. Cada cidade, um nome de mulher. Imaginação em estado puro. Ou, talvez, seria melhor dizer a palavra “invenção”. E alguém perguntaria, mas não são contos, não é um livro de prosa? Sim, vamos lá, prosa poética. Também porque é que inventaram de classificar tudo?

Outros autores se celebrizaram por suas cidades de ficção. Basta lembrar Faulkner, que influenciou tantos outros que vieram depois dele. Basta citar a Macondo dos “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marques. Ou, cá entre nós, o assombroso grande sertão só de palavras criado por Guimarães Rosa. Mais perto ainda, Uilcon Pereira pensou, vivendo em Araraquara, a sua Àssombradado. Assim mesmo, com um acento “gravíssimo”.

Caberia perguntar se toda cidade não é afinal, na ficção, igualmente imaginária, mesmo que materialmente existente. A Dublin de James Joyce, a Ilhéus de Jorge Amado (como reencontrá-la, hoje?), e por aí afora?

O escritor austríaco Peter Handke costuma usar uma bela imagem para distinguir as tarefas do escritor e do tradutor. Ambos atravessam um lago. O escritor precisa adivinhar, por sob a superfície plana e indecifrável, uma cidade submersa. O tradutor perfaz a mesma travessia, apenas com a vantagem de já poder divisar, lá no fundo, as ruínas dessa cidade.

Calvino realiza com maestria a sua tarefa, adivinhando não apenas uma, mas inúmeras cidade. Paul Klee dizia que a literatura não tem de reproduzir o real, mas sim torná-lo visível. Calvino ilumina para o leitor os itinerários das suas cidades, oferecendo pistas para quem queira visitá-las, percorrê-las, traduzi-las para o seu imaginário pessoal. Com isso, ilumina ainda a cidade real onde esse leitor vive, que certamente tem muito de todas essas outras cidades feitas de palavras. E, pelo menos neste livro, a negação da tese do argentino Bioy Casares, de que Calvino não sabia como terminar suas obras. Para o leitor, o último período de “As cidades Invisíveis”. Durante algum tempo, ele serviu de mote para as atividades do evento OXOUNOSSO, que criamos e fazemos sobreviver em Araraquara, sendo projetada na tela, lida e relida ao microfone tantas vezes, porque tanto nos iluminava na tarefa que nos havíamos proposto: lançar luz sobre o espaço onde transcorrem as nossas vidas, descobrir aquilo que nele é beleza, poesia, dignidade humana e essas coisas todas fora de uso, de moda, mas tão urgentemente necessárias para tornar habitáveis as cidades que supomos visíveis, o planeta que ninguém quer ver direito. Eis o parágrafo final desse livro fantástico de Calvino:



“ - O inferno dos vivos não é algo que será: se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.” (Italo Calvino, Cidades Invisíveis, Cia. das Letras, SP, trad. Diogo Mainardi)







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