Cinco casamentos, quatro viuvezes e um pouco mais que oito décadas de laboriosa
existência e Veluziano expirou, cercado pelo carinho da família contristada.
Justiniana, a primogênita do quinto matrimónio que o assistiu nas horas derradeiras
recitava aos sobrinhos, anos depois, parte da agonia estertoral do progenitor, a
pedir água,..."um quarto d`água".
Seleiro de profissão, mas raramente a cavaleiro da situação, Veluziano muito fiou e
mais se endividou ao longo dos anos, deixando, ao partir, obrigações que os filhos,
já empregados, e em mutirão, foram desbastando até a total liquidação.
Do espólio, além das paternais recomendações, exemplificadas numa vida de
paciência, esperança e compreensão, sobraram as ferramentas do ofício: um
compasso de ferro, um par de sovelas ( o sovelão e a sovelinha), um vazador, um serrote cheio de dentinhos, e
alguma peça mais genérica, como a foicinha e a enchó.
Foi o filho António, que com sua eclética inclinação profissional, e apenas ligeira
aptidão funcional, encarregou-se de ampliar aquele lote ferramental, adicionando-
lhe, ao sabor de suas tentativas de novo ofício, coisas como colher de pedreiro,
nível, facas de sapateiro, feitas do melhor aço de arco de barril, torquês,
martelo sem pé-de-cabra, pé-de-ferro de três extremidades (pezão, pezinho e
salto), tamborete das pernas curtas, bateia... enfim, um arsenal de aspirações
profissionais que ficava em sua maior parte confinado naquela lata de querosene,
num cantinho do quarto de António.
Havia o bombardim também, aquele instrumento que pertencia à banda, que lhe
fora confiado, e apesar do esfuziante entusiasmo, pouco executado. Mas esse já era
um capítulo da arte, não do artesão.
Outras peças remanescentes dos cuidados profissionais de Veluziano, embora não
classificadas, erravam pela casa, ou pelo terreiro, sem um repouso fixo, de tanto
que os netos lhes tentavam achar nexo. Assim, havia uns blocos ou pesos de ferro
de vários tamanhos que achavam serventia escorando portas contra a ventania.
Teriam sido pesos usados no esticamento do couro, arreios, selas? Havia também
uns ferrinhos e umas prensas de madeira que só um outro seleiro daquele tempo
é que poderia lhes dar nome e utilidade. O José, filho do terceiro casamento de
Veluziano, meio-irmão de António, bem que poderia ter ajudado nessa definição,
pois como o pai, teve seus pendores para a profissão, mas suas visitas à casa dos
meio-irmãos eram raras, e geralmente da sala - onde fumava Douradinho, cantava
alguma modinha ao violão - não passavam. Assim como ele próprio, já sessentão,
não passava de seus admitidos 38 anos.
Por fim, a bengalinha, ou manguarinha, como a chamava Justiniana. Fininha,
elegante, lustrosa até, foi encontrar serventia ao ser serrada e conformada a escora