VISIONÁRIO
Da varanda do apartamento
olho para a cidade.
Torre de marfim,
torre de babel.
Árvores agitadas,
carros correndo na avenida,
pessoas andando à toa,
um cão vadio.
Cheiros diversos,
chiados, barulhos.
Onde estará o centro do mundo?
Onde estará acontecendo
a notícia de amanhã?
Dentro daquele ônibus
viajará a moça iludida
e que poderia estar comigo.
Viajará o rapaz triste,
embriagado e que poderia
me contar sua vida
- arcabouço de um conto.
O motorista irá atropelar
uma criança sem futuro.
No automóvel de luxo
vai a mulher
que brigou com o marido
e anda atrás de vingança.
Na parada de ônibus
talvez esteja o assassino
de logo mais.
Na tela do cinema
a musa de todos nós,
estrela que se apagará.
Numa cadeira
um homossexual olhará
para as pernas do rapaz
que come pipoca.
Noutra cadeira um senhor
alisará o próprio bigode
pensando no passado.
No banco da praça
o mendigo comerá pão
olhando para as nádegas
das mocinhas que passam.
No palácio o presidente
alinhará o decreto
que me dará dor de cabeça.
O deputado beberá uísque
no bar e falará de si mesmo.
Sentado num sofá o homem
lerá o romance da mulher
deitada eternamente
em berço esplêndido.
O poeta escreverá uns versos
que lerão daqui a dez anos,
versos sem rima ou sem ímã,
sem métrica e sem ritmo.
No meio do mato a onça
farejará o veado.;
o macaco morderá o rabo
do tatu.; a formiga
caminhará sem rumo.;
e tudo estará escuro.
No rio o peixe, a água,
o frio, o pescador.
No mar o tubarão,
a baleia, o turbilhão.
No céu a estrela virando pó,
o foguete se espatifando,
o infinito e nada.
Aqui, sozinho, longe e perto
de todos, de tudo,
quero estar no centro do mundo,
na crista da onde,
quero ser testemunha do crime,
da crise, do apocalipse.
Quero ver de perto o amor, o ódio,
a solidão, a multidão.
Quero estar no palco, no show,
no centro da cidade,
do campo, do rio, do mar,
do céu, do universo.
Quero a onipresença,
a onisciência,
toda a ciência.
Brasília, 30.12.97.
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