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Contos-->UMA GUERRA SOLITÁRIA -- 10/04/2000 - 17:59 (Javert Denilson) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Ele lança um chinelo no ar e cai no chão. Lança outro chinelo, com mais força, que cai atrás do guarda-roupa. Não acerta. Ele apaga a luz. Vai para a cama, tenta dormir, mas os ruídos o incomodam. Ele se cobre com um fino lençol - está um calor sufocante. Não adianta nada. O ruído não foi eliminado. Tira o lençol de seu rosto, de seu corpo, levanta-se e acende a luz. O quarto está infestado. Ele pensa estar condenado, sinceramente. Procura seus chinelos perdidos no pequeno quarto, encontra-os e entra de corpo a corpo na batalha. Balança os braços em movimentos alternados. Desta vez, resolve não arremessar os chinelos. Sua agitação provoca-lhe calor e nesta noite quente, começa a transpirar como se estivesse numa sauna. Nem adiantou o banho que tomara horas antes. O suor escorre pelo rosto mal barbeado e os pequenos cortes provocados pela lâmina ardem em contato com o líqüido salgado. Ele consegue derrubar um. Voa direto ao chão e com a maior satisfação esmaga-o com os pés. A inexpressiva vitória do homem lança medo e terror e os outros se espalham e se escondem. Com o corpo suado e cansado resolve tomar outro banho. Retorna ao quarto sem prestar atenção em mais nada. Só quer saber de dormir depois de uma longa e cansativa semana de trabalho.
Na manhã seguinte, ele acorda com a satisfação de uma noite tranqüila. Segue para o banheiro quando espanta-se com sua fisionomia: o rosto coberto de pequenas feridas. Nas mãos e nos pés, também. Eles aproveitaram seu sono na calada da noite. Durante o dia de folga o homem vasculha o quarto à procura daqueles miseráveis. Verifica em todos os cantos. Observa o teto, arreda a cama de seu tradicional lugar e olha em baixo da mesma. Remove os livros da pequena estante e vê atrás do guarda-roupa, porém não o move do lugar devido ao peso. Investiga por todos os lados e... nada! Não encontra nada! Com exceção do vestígio daquele esmagado no chão.
A noite chega rápida. Após assistir aos noticiários de sábado e alguns filmes pela madrugada, o homem retorna ao quarto imaginando aquele sono merecido. E para seu descontentamento encontra uma verdadeira esquadrilha pronta para o ataque. Ele fica impressionado e interroga-se por que só no quarto é que eles aparecem. Muitos estão pousados nas paredes apenas esperando a guerra. As paredes são brancas permitindo a visualização daqueles indesejáveis. Outros nem esperam ele apagar a luz para dormir e começam o ataque por todos os lados. E aquele maldito zumbido... O homem pega os chinelos e revive a batalha da noite anterior. Aqueles insaciáveis são muito espertos. A noite está quente. Desfavorável. É demasiado inútil lutar contra eles no verão. Sua estratégia não parece surtir resultados. Ele já apresenta sinais de desânimo até que um chinelo lhe escapa da mão esquerda e voa direto na parede, eliminando, sem querer, um oponente. Como as paredes de seu quarto são brancas, o formato do chinelo fica impresso. Lamenta-se da sujeira que fez. Mas tem uma idéia. Agora ele percebe como é mais fácil quando estão parados. Resolve atirar os chinelos contra as paredes. Sucesso! Sua pontaria está ótima e vários repugnantes são exterminados. Ele senta-se na cama. Está com sono. Deita-se uma vez mais com a satisfação da vitória.
Acorda sobressaltado pela manhã, relembrando o sonho que tivera: estava sendo perseguido por um inseto gigantesco. E para seu maior espanto ele era, também, um inseto. Pernas, braços, cabeça, corpo. Como a personagem da novela “A Metamorfose”, do escritor Franz Kafka. Desfazendo-se do susto, percebe a mesma situação da manhã passada: as pequenas protuberâncias nas mãos e nos pés. Caminha para o banheiro e observa no espelho como realmente o arrasaram. Seu rosto, pescoço, o corpo inteiro está repleto de pequenos pontinhos vermelhos. Fizeram um banquete. E mais surpreso ainda ele fica quando vê nas paredes do quarto inúmeros guerreiros. Alguns mortos e... alguns vivos. Agora está fácil. Empunhando apenas o chinelo na mão direita ele começa o massacre. Esmaga um, dois, três... Outros se espalham pelo quarto, mas o homem consegue alcançá-los. Estão muito pesados e com dificuldades para manobras aéreas.
As pequenas feridas o incomodam. Coçam durante o dia. Ele fica curioso para saber o porquê daquele ataque noturno e pensando numa maneira de derrotá-los para sempre. Poderia comprar um inseticida, mas com o mau cheiro que causa desiste da idéia. Vasculhando os poucos livros em seu quarto encontra uma enciclopédia e começa a folheá-la. Procura a sessão dos insetos. Existem mais de duzentos milhões de tipos de inseto para cada homem no mundo. Duzentos milhões! O que aconteceria caso todos se revoltassem contra os seres humanos? Ou se pudessem crescer? O homem consola-se ao saber que os insetos nunca terão o tamanho de um ser humano. Nunca serão gigantescos. Serão sempre pequeninos e fáceis de serem exterminados. Ele abomina os insetos mas ao ler na enciclopédia percebe que a humanidade não pode viver sem eles. São essenciais à vida. Ele se lembra de quando era criança e adorava brincar com as joaninhas com seus corpinhos vermelhos com pintas pretas e dos tatuzinhos que se transformavam em “bolinhas” quando eram tocados. Finalmente descobre que os miseráveis fazem parte da classe dos Insetos, ordem dos Dípteros, família dos Culicídeos, gênero e espécie Culex pipiens. Detalhes sem muita importância. Possuem seis pernas. E o zumbido que fazem é causado pelo bater de asas. É uma enciclopédia muito deficiente. Surpreendeu-se ao perceber que “aqueles indesejáveis” na verdade são “aquelas indesejáveis”. São fêmeas que o atacam à noite. Insetos que procuram complemento de proteínas - encontrado no sangue dos animais - em sua dieta para produção de ovos, que são postos em água parada para tornarem-se larvas e depois transformadas em vampiras noturnas. Não descobriu nada que pudesse aniquilar o inimigo, aliás, a inimiga. Sabia apenas que enfrentara nestes dias guerreiras aladas sedentas de sangue.
Quando a noite chega ele tem outra idéia. Abandona de vez os chinelos e adota uma prancheta de cortiça encontrada entre tantos utensílios dentro de seu guarda-roupa. A estratégia dá resultado. Na primeira abanada ele derruba três de uma só vez. Na segunda, não acerta em cheio, mas o deslocamento de ar provocado pelo seu movimento derruba mais quatro que ficam rodopiando no chão, tentando ganhar vôo. Não conseguem. São impiedosamente esmagadas por um pé. Desta vez ele não se cansa nem mesmo chega a transpirar. Com a nova investida algumas fêmeas pousam nas paredes. Elas se cansaram. Mas o homem, não. De posse novamente de seus chinelos, ele os arremessa. Os chinelos chocam-se contra a parede com violência e os estrondos soam como a explosão de uma bomba. Após a derrocada de muitas fêmeas, o homem se vê cara a cara com o que parece ser a rainha. A mais forte, a mais inteligente. E a maior, também. Ele tem a impressão de que esta surgiu, vinda de seu esconderijo, justamente para vingar as súditas derrotadas em feroz combate. Como um camicase, a fêmea-guerreira-rainha investe contra o homem. Ela ataca por todos os lados ao mesmo tempo, tamanha agilidade que possui. Ataca e recua... ataca e recua... Desta vez, o homem fica cansado. Deita na cama e espera. Acaba pegando no sono. Durante a madrugada acorda com um zumbido infernal a atormentá-lo. Levanta e acende a luz. Tenta acostumar os olhos à claridade e retorna para a cama. São quatro horas da manhã. Lá está ela. Perto da janela. Extremamente gorda e cheia de saúde. Satisfeita. Deve ter sugado muito sangue. Ainda deitado, ele estica o braço lentamente e pega um chinelo no chão. Arremessa. Não acerta. A rainha, percebendo o perigo, parte num vôo indeciso. Quase em câmera lenta. Ela pousa na parede do outro lado, perto dos livros na estante. O homem percebe que a oportunidade é esta. Levanta-se e caminha vagarosamente em sua direção. Com a mão aberta comprime aquela que foi sua última oponente. O sangue mancha a parede e a mão do homem, mas ele não se importa. Volta para a cama. Dormir e sonhar tranqüilamente é o que ele pensa.
Seis horas da manhã. O despertador soa. O homem acorda e se apronta para ir ao trabalho. Não dormira quase nada nestes três dias. Ele observa o estrago que fizera em seu quarto. O fim de uma guerra. Como um caçador que exibe a cabeça de suas presas, ele tem agora as marcas de chineladas, sangue e restos de pernilongos enfeitando as paredes brancas.


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