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Contos-->Um Pássaro de Madeira me Contou... -- 30/09/2001 - 20:35 (Gustavo Henrique) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hércules Bartolomeu suspirava, enterrado na poltrona de seu belo escritório, enquanto esperava por um ilustre visitante. Munhoz estava doente do estômago, e a ele foi dada uma folga. Observou alguns papéis empilhados em sua mesa, e releu as anotações pessoais que fez sobre seu mais recente caso:

"Caso da pensão Pintaúde. A senhora Matilda Pintaúde, dona do estabelecimento, foi encontrada morta na manhã de 13 de Junho com dez tiros, dentro do freezer, o que impossibilitou a determinação da hora exata do assassinato. Junto ao corpo estava uma pistola automática sem o cartucho e sem impressões digitais. Manchas de sangue no tapete da sala indicam que o crime aconteceu lá, em frente ao grande relógio cuco. Pessoas presentes na pensão: Astúcio Barbaccini e sua esposa Elina, Péricles Palpatini e Melissa Mariute.
Segundo depoimentos e informações colhidas:
* Astúcio Barbaccini apareceu na pensão às oito e dez da noite anterior, mas saiu às oito e trinta, dizendo ter negócios urgentes a resolver. Nunca havia estado lá, e tinha certo grau de parentesco com a morta. Detalhes: herança considerável cairá em suas mãos devido ao ocorrido e à falta de parentes mais próximos. Não conhecia Pintaúde pessoalmente.
* Elina Barbaccini passou a noite toda lá.
* Os outros dois hóspedes não têm qualquer relação com a morta ou com o casal Barbaccini. Melissa Mariute diz ter passado pela sala às oito e vinte e cinco da noite, e tudo estava normal. Ninguém mais passou por lá depois disto, e ninguém ouviu nada de estranho, exceto o barulhento cuco.
* Encontrei no lixo um grande vestido florido com buracos, queimados nas bordas."

Hércules largou a folha na mesa, no instante em que a porta se abriu e apareceu a esbelta figura da secretária.
-Astúcio Barbaccini já chegou, senhor. - anunciou ela, com sua voz estridente.
-Peça para que entre imediatamente. - ordenou o detetive.
O moço entrou no recinto naturalmente, mas por trás daquela máscara havia uma chama de preocupação muito forte. Hércules ofereceu-lhe educadamente uma cadeira, e lá estavam os dois, perfeitamente acomodados e encarando um ao outro. Astúcio falou primeiro, com voz meio trêmula:
-Posso saber por que estou aqui, detetive Hércules?
-Bem, vou direto ao ponto. Chamei o senhor para esclarecermos alguns pontos referentes ao caso.
Os olhos do rapaz tremeram, e ele fez um lento gesto afirmativo com a cabeça, sem dizer nada. Hércules continuou:
-Mas antes... o clima parece um pouco tenso... vamos falar sobre coisas práticas. Diga, Barbaccini, vai ficar com aquele belo relógio cuco como herança, hein?
-Ah... bom, sim. Adoro o barulhinho que ele faz.
O detetive encarou-o com um sorriso disfarçadamente sarcástico.
-Realmente. O que o levou a hospedar-se lá?
-Foi... negócios. Trabalho com vendas, e fui requisitado para realizar um trabalho de marketing nessa região. Como sabia da pensão, resolvi hospedar-me lá, aproveitando para finalmente conhecer Matilda.
-E qual foi a impressão do senhor e sua esposa sobre ela?
-Uma ótima pessoa, detetive. Minha esposa fez amizade rapidamente.
Hércules ficou pensativo por um breve instante. Então perguntou:
-Como sabe, se chegou lá às oito e dez e só ficou por vinte minutos?
Astúcio zangou-se com a insinuação.
-Elina me contou na manhã seguinte, quando eu cheguei, é claro!
-Antes ou depois de encontrarem o corpo?
-Pouco antes... - seus olhos pareceram divagar por uma lembrança não muito agradável.
Hércules Bartolomeu observou-o atentamente. Tentou adivinhar o que poderia estar se passando na mente daquele abatido rapaz. Depois, em tom calmo e grave, perguntou:
-Soube que sua situação financeira não anda bem, não é?
Ele levantou-se irado cadeira. O detetive também, em tom desafiador.
-O que está querendo insinuar com isso?? - berrou Astúcio Barbaccini.
-Diga, meu jovem, por que será que sua opinião sobre o cuco diverge de todas as outras? Ninguém gostava daquele barulhento relógio. Acordava todo mundo! A própria Pintaúde, segundo disseram alguns amigos, já estava pensando em livrar-se dele por causa da queda na clientela!
-Pois eu gostava! Por que sou obrigado a pensar igual a todo mundo?
Hércules inclinou-se lentamente na direção do jovem, e murmurou:
-Porque você nunca esteve lá e não conhecia Pintaúde. E, levando em conta que chegou às oito e dez, e saiu oito e meia, não poderia tê-lo ouvido tocar.
Astúcio estacou, como que apunhalado por aquelas palavras. Tentou ao máximo manter o controle de suas emoções, mas só o que conseguiu foi enterrar-se vagarosamente na cadeira. Houve silêncio. O incisivo detetive mudou de atitude espantosamente no que disse em seguida, sentando-se também:
-Bem, mas podemos esquecer essas mentirinhas, afinal, pode não ser nada de mais. Prefiro concentrar-me em sua esposa, pois ela passou a noite toda lá... pode ter ouvido algo... a não ser que...
Barbaccini ergueu o rosto pálido, dizendo, com voz de derrotado:
-A não ser que eu tenha voltado lá às nove... e...
Hércules continuou por ele:
-... tenha sim ouvido o cuco tocar. Foi isso, não foi? Fingiu sair, mas ficou escondido, até aparecer a oportunidade perfeita para executar Pintaúde e acabar com sua má situação financeira.
-Foi... foi isso.
-Como fez, meu rapaz? - perguntou o detetive, penalizado.
-Fiquei olhando pela janela, esperando a oportunidade perfeita. A arma era minha. Às oito e cinquenta e oito a vi passando para a sala... e eu, rapidamente, fui até ela para conversar. Tinha pego um vestido de Elina para enrolar na arma e abafar um pouco o barulho. Instantes antes do relógio começar a soar, puxei-a... e depois comecei a atirar, correspondendo com os cantos do cuco, para disfarçar o som dos disparos.
Hércules balançou a cabeça afirmativamente.
-Nem um tiro a mais, nem a menos?
-Não, senhor... não podia correr o risco de ser descoberto... o que fiz em seguida foi escondê-la no freezer junto com a arma.
-Tem consciência de que terei de levá-lo até a delegacia para que confesse?
Astúcio assumiu uma expressão malévola, e levantou-se bruscamente.
-Não vou a lugar nenhum! Não assassinei uma pessoa em vão! Se quer me prender vai ter de provar tudinho para a polícia, o que não será nada fácil! Eu vou embora agora!
Hércules continuou tranquilo em sua cadeira. Olhou naturalmente para Barbaccini e disse:
-Se quiser ir embora, pode fazê-lo. Mas vá sabendo de uma coisa: eu provarei cada detalhe desse caso, rapaz, pode escrever.
Ele soltou um grunhido, e saiu, batendo a porta.

Instantes depois, sozinho em seu escritório, o detetive abriu a pequena gaveta de sua mesa, tomou nas mãos um gravador que lá estava, apertou o botão "Stop" e tirou a fita cassete de dentro. Saiu da sala, e avisou a secretária de que iria fazer uma visita ao delegado Rasputino.

Rasputino ouviu atentamente a fita. No final, olhou espantado para Hércules.
-Puxa vida! Temos uma legítima confissão aqui! Podemos mandar prender...
-... Elina Barbaccini imediatamente! - interrompeu Hércules.
-O quê? Está dizendo que não foi Astúcio? Mas ele...
-Sei, sei... ele confessou. Mas é por isso mesmo! Não percebe as irregularidades na versão que ele nos deu?
-Bem, explique-me o que pensa. - sugeriu o delegado.
E Hércules iniciou sua narrativa: -Primeiramente, logo que chegou ao meu escritório, Astúcio Barbaccini estava muito preocupado com algo. Não achei que aquela preocupação excessiva fosse motivada pela morte de um parente. Ele nem a conhecia, e de quebra ainda faturou uma herança bem grande. O único motivo que passou pela minha cabeça foi o seguinte: possíveis suspeitas dele sobre Elina. Isso se confirmou quando ele iniciou sua confissão tão logo eu disse que deveríamos concentrar as atenções em sua esposa, pois ela havia passado a noite toda lá, e Astúcio não.
-Está afirmando que ele se disse culpado para proteger a mulher? - perguntou Rasputino.
-Mas claro! Que outro motivo o levaria? A única pessoa que sabia concretamente sobre o barulho infernal do cuco era ela, que conversou bastante com Pintaúde. A situação financeira do marido a preocupava, e nós sabemos por experiência que nunca se pode reconhecer um assassino em potencial. Talvez o marido tenha percebido algum traço estranho na esposa na manhã seguinte, o que desencadeou as suspeitas. Mas, para reforçar a inocência dele, vou passar para as irregularidades na sua confissão: primeiro, o detalhe do cuco. Segundo, o detalhe do vestido. Terceiro, a não explicação do sumiço do pente da arma. Quanto ao vestido, ele disse ser de Elina, mas na verdade era de Pintaúde. E quanto ao pente de balas, mostra que ele contou essa versão baseando-se apenas no que soube por comentários das pessoas, provavelmente durante o trabalho da polícia no local.
Rasputino concordou com a cabeça, em seguida perguntou:
-Sim... mas e o cuco? O que tem a ver?
-Tudo a ver, delegado. - respondeu Hércules, com firmeza - Eu diria até que é o detalhe mais importante de toda essa história! Astúcio disse ter disparado a arma simultaneamente com os toques do relógio, nem mais, nem menos, às nove horas. E quantas vezes o cuco canta às nove horas, delegado?
-Ora essa, nove, é claro.
-Pois bem, e quantos tiros foram disparados contra Matilda Pintaúde?
-Dez... minha nossa! Tem razão! Foram dez tiros!
-O que mostra que ela morreu às dez, pelas mãos de Elina Barbaccini, que utilizou o plano exposto a nós por Astúcio. Caso encerrado, está tudo esclarecido. Não tenho dúvidas de que iremos provar tudo no tribunal.

E assim foi. O caso foi julgado e Elina Barbaccini condenada. Tudo graças à astúcia de um homem aparentemente comum, mas que esconde por baixo do crânio um cérebro que alguns dizem já ter visto pulsar. Lendas e lendas policiais...

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