A cada dia, uma descoberta
Heleida Nobrega, 2007
Naquela noite, em particular, estava um frio excessivo na sala destinada ao meu tempo do FAZER. Sabia que deveria incorporá-lo à minha rotina, com o intuito de minimizar o PENSAR e o QUERER de tal modo, que ambos pudessem aprender a perpassar pelo SENTIR, com um contorno mais equilibrado.
Contudo, confesso que o meu ‘pensar’ sempre se faz travesso e com freqüência descomunal tende à fuga por qualquer fissura. E o que é pior: se expande com uma velocidade incrível.
Lembro-me de que mal cheguei e apesar do corpo endurecido, arregacei as mangas com afinco para que os dedos não regelassem.
Sem preâmbulos, fui direto ao ponto de partida: papéis minúsculos para dobraduras.
Logo de início, os dedos, gordinhos e tímidos demais para a tarefa proposta tentaram se esconder na primeira dobra, mas com o apoio dos demais participantes acabaram por seguir o compasso.
Assim, enquanto me concentrava no movimento que faria para driblar mais uma dificuldade, meu rebelde pensamento escapuliu sei lá por onde e acampou na reunião daquela tarde.
Não consegui alcançá-lo. Minhas pernas eram bem curtas, menos ágeis e, de fato, eu estava exaurida pelos acontecimentos do dia.
Meu cansaço era notório, assim como, o refletido nas suas faces. Cada qual com seu abatimento, se curvando diante das adversidades tal qual bambu ao vento: indo de encontro ao chão, mas flexível, pronto para retomar o prumo e continuar a caminhada. Senti um orgulho ímpar, pelo simples fato de fazer parte desse grupo.
E o que eu praticava ali, com o papel, naquele momento, era a pura representação do nosso trabalho. Espantei-me com a descoberta: exatamente como as dobras para a construção do origami.
Cada dobra servia de base para a formação de uma outra. E depois de todas, assim como nós, quando o sopro do abatimento tentava nos derrubar pelo fato de nos sentirmos incapazes de realizar mais uma dobra, tão apoucado o papel, eis que um ínfimo movimento desvelava uma nova e fantástica figura.
Dizem aliás, que Gami está muito próximo de Kami que quer dizer Deus. Por esta razão se atribui ao origami - forma divina.
Nesse momento, entendi a significância do FAZER.
Totalmente absorta por este processo que parecia simples, mas não para meus olhos e mãos, persegui minha sombra novamente até o nosso encontro e, então, fiz mais uma dobra.
Encaminhei minhas mãos na fantasia da derradeira dobra de uma vida profissional.
Antes mesmo de ter essa tarefa como encerrada, o meu SENTIR apontou na direção de que todas as dobras anteriores haviam sido feitas por vocês, parceiras e amigas de incontáveis dias de empenho.
No ato seguinte, deixei de me preocupar com as mãos um tanto desajeitadas para a confecção do origami e debrucei-me sobre outro papel tão minúsculo quanto o anterior e de cada dobra, fiz uma oração.
Minha gratidão
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