Eu ouvia vovó Eudóxia tocar piano e achava bonito. Voltava para casa, punha um disco na vitrola e me ajoelhava diante da mesinha da sala de visitas. Tirava o que houvesse por ali e dedilhava furiosamente a madeira, acompanhando a orquestra. Minha cabeça ia e vinha em movimentos que se tornavam mais violentos ou mais suaves conforme a música. Eu era capaz de ficar muito tempo concentrada nessa tocação. Ela só terminava quando algum menino aparecia e se punha a rir de mim.
Eu também gostava de brincar de gente grande e, para isto, servia-me de certos apetrechos de mamãe. Ia até seu armário buscar o que me parecia necessário: baton, sapatos de salto alto e um sutiã. Passando pela cômoda do bebê – lá em casa sempre tinha um bebê – pegava uma fralda.
Diante do espelho, já em meu quarto, começava a transformação. Vestido o sutiã, era preciso preenchê-lo e eu o fazia colocando uma bolota de par de meias de cada lado. Disfarçado pela blusa, aquilo ficava um peitão bonito. Enchia a ponta dos sapatos com algodão até que ficassem confortáveis. Depois, pintava os lábios e fazia duas rodelas vermelhas nas bochechas. Por último, era a vez da fralda. Aposto que vocês já estão curiosos, o que é que gente grande ia fazer com uma fralda?... Pois, na falta de cabelos compridos, presa por alguns grampos ela se tornava a minha cabeleira, que eu balançava de um lado para o outro. De vez em quando, até a jogava para trás com uma das mãos, num gesto que imitava as moças de cabelo liso.
Assim arrumada, eu andava pelo quarto carregando a boneca. Com ela eu fingia ir ao centro fazer compras ou chegava mais perto da janela, onde morava uma amiga que também tinha uma filha da idade da minha.
Nessas horas eu falava alto em vários tons, ora imitando minha mãe, ora a vendedora da loja, ora a voz da minha amiga. Fazia também a vozinha fininha da boneca.