As Brincadeiras com o Padre
Aos cinco anos eu tinha dois irmãos e não me conformava em ser a única menina. Queria uma irmãzinha por toda lei. Mamãe ficou grávida e sua barriga era minha esperança. Todos os dias eu olhava para ela e dizia: “Vai ser uma menina, vocês vão ver!”
Papai achava graça e adorava me amolar. “E se for outro menino?”, ele me perguntava.
_ Se for outro menino, eu jogo na lata do lixo!
Pois nasceu Joãozinho. Fiquei louca da vida.
Dizem que o parto de Joãozinho foi difícil e mamãe ficou de cama por um bom tempo. Tia Maia, que era solteira e vivia com vovó, foi lá para casa e cuidava de tudo: de mamãe, do bebê, de nós. Apaixonou-se pela criança e se tornou sua madrinha.
João foi crescendo e tia Maia, muito religiosa, começou a levá-lo para a igreja, para a missa, para a reza, para as procissões, das quais ela participava. Estava resolvida a fazer de seu afilhado um padre.
O menino, na santa ingenuidade, achava aquilo tudo muito interessante. Padre usava saia preta, padre falava alto e todo mundo abaixava a cabeça, todos beijavam a mão do padre... devia ser bom.
Todas as noites ele se ajoelhava ao lado da cama e rezava com fervor por mamãe, papai, seus irmãozinhos. Dizia a todos que ia ser padre.
Na empolgação de levar sua idéia adiante, minha tia achou melhor torná-lo rapidamente um sacristão. Mandou confeccionar-lhe uma batininha, que ficou perfeita: era preta e cheia de botõezinhos vermelhos.
No dia em que Joãozinho fez aparição solene trajando a batina e convicto de que já era um padre, nós quase morremos de rir.
Daí em diante, começamos todos a curtir o padre. Virou um bom tema para nossas brincadeiras.
Vamos brincar de confissão?... João ia correndo vestir a batininha, punha uma toalha em volta do pescoço e enchia-se de ares solenes. Enquanto isso, nós tirávamos o assento de uma cadeira e virávamos outra de ponta cabeça. Depois, encaixávamos as duas de modo que, cobertas por um lençol, viravam o confessionário. Joãozinho entrava ali dentro e nos olhava por uma fresta. De um em um, ajoelhávamos a seus pés e confessávamos coisas incríveis.
Passada a confissão, vinha o melhor: a missa. Íamos, então, para a casa de vovó, porque lá havia um lugar perfeito para isto. Entre a sala de jantar e outra salinha, havia uma passagem larga com um degrau, O padre ficava do lado mais alto e os pecadores mais abaixo. A missa era rápida, para que chegasse logo o momento da comunhão. Essa era a parte mais importante e demorava bastante.
Todo mundo se ajoelhava no degrau e meu irmão, sempre envergando sua batininha preta, distribuía as “hóstias” de boca em boca. Depois nos levantávamos, dávamos uma voltinha com a cabeça baixa e, com cara de santinho, tornávamos a nos ajoelhar para comungar novamente. Vinte vezes, se fosse possível. Até que se acabassem os deliciosos biscoitinhos que tia Maia nos reservava para esse momento tão precioso.
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