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Contos-->Ciranda de Deuses -- 03/10/2001 - 00:07 (Marta Rolim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


As divindades estavam alinhadas, uma ao lado da outra. Mas só aparentemente. Eram espectros dos deuses, figurando postados nas prateleiras, nas casas; quietos, respeitosos, para receberem as orações em silêncio. As verdadeiras entidades andavam serelepes pelo mundo (cosmo que não suspeitamos), criando suas maravilhas, articulando vias, respondendo a anseios, calando para outros, fomentando pragas e castigos, recompensando os aprovados. Ocupados deuses do céu!

Os divinos nunca contaram, mas andam nus, sem roupagem alguma. Seus corpos se desfazem em canto e refazem encanto e não há sombra ou luz que possa representá-los. Não há sombra ou luz... Mas lá estavam eles, assumindo caricaturas terrenas, linhas sólidas grosseiras, estendendo mãos de porcelana, ofertando corações de gesso. O sorriso terno da ilusão, o rosto adocicado do sonho bom, pairando sobre as fiéis vistas anuviadas.

No Azul (o verdadeiro nome da Terra) sempre chegava a hora das criaturas escolherem seus deuses (escolhas cíclicas transgeracionais). Num dado momento de seu lerdo e delicado desenvolvimento, brotava uma dúvida pertinente nas mentes terrenas e cada indivíduo fazia a sua escolha mais legítima. É por isso que os deuses eram e são coniventes com os signos materiais, a fim de facilitar a escolha dos humanos. Bondade divina! Abusaremos dela.

Aleluia! Numa festa de circunavegação astral, os deuses brindavam às escolhas humanas (os signos do zodíaco girando). Os divinos em polvorosa. A grande mãe era muito adorada e havia menos guerra e matança quando os humanos buscavam sua graça. Por isso, Maria bailava nos confins das almas, feliz com a perspectiva de aceitação e paz nos íntimos. Já os ídolos gregos ficavam enciumados, e criticando à Maria, diziam que no período deles as pessoas eram mais congruentes, lidando com o bem e o mal sem tanto disfarce. Maria não se afetava, estava segura de sua importância no cenário afetivo-histórico. O Pai queria logo ser mais severo com a terra e imaginava lançar mais um cataclismo no planetinha, afinal a evolução dos humanos era por demais lenta. "Mãe, até quando vamos esperar? - indagou o Senhor, irritado. Daqui a pouco não teremos mais a quem punir, pois os idiotas terão consumido tudo." "Calma Amor, eles estão tentando..." argumentou Maria, transpirando paciência. "Tens razão, eles estão nos tentando ao limite!" - gargalhou o Pai, voz de trovão.

O Diabo estava triste com o número de seguidores que arrebanhara. As hordas do mal estavam fecundas, as pessoas queriam soluções fáceis e rápidas, ainda que para isso precisassem prejudicar multidões. Os líderes da terra prostituíam-se em troca de automóveis, viagens, riqueza, sexo. Os pecados capitais ceifavam múltiplas cabeças (elas rolavam, ensangüentadas, aos olhos divinos). O Diabo estava triste, não se faziam mais mártires como antigamente. Todos tão fáceis de seduzir, tão vendidos! Claro, havia as exceções! Ai de quem dissesse que não!

Uma certa fatia da população deixava o Anjo Decaído ainda mais triste (vivia chorando o nervosinho!). Eram os Salvos! Aceitavam quaisquer condições rígidas, quaisquer regras severas, por mais restritas e punitivas que fossem, por mais impossíveis de se cumprir, em troca da Salvação e da vida eterna. Se Deus ateasse fogo a tudo, tudo bem, desde que eles fossem salvos. Se Deus fizesse da humanidade carne para os abutres, tudo bem, desde que eles fossem preservados para a vida eterna. Ambição agoniada! Vendiam a alma e não sabiam!

Mas o Pai-do-Novo-Testamento era compreensivo e entendia tudo. Desde a junção de Cristo à sua composição, ele adquirira uma sabedoria transcendental ilimitada. Cristo e o Pai formavam um. Não era à toa que as criaturas aflitas vendiam a alma, não tinham sustentação interna suficiente (aquele eixo norteador) e faliam em suas aflições, agarravam-se ao que parecia bom; cais firme para seus cernes tempestuosos, náufragos que eram.

As deidades-bicho do antigo Egito continuavam olhando pela Terra, apesar de não receberem orações há muito. Uma parte do âmago humano permanecia atrelado ao instintivo e ao selvagem e isso revigorava as deidades animais, que rondavam as igrejas e templos sem poder entrar. Só os deuses vivos entravam nas igrejas (os que recebiam orações), os mortos rondavam à margem, esperando sua ressurreição (Fênix na fogueira). E num dia qualquer, um dia banal, subitamente uma pessoa despertava na escuridão e invocava a um deus esquecido. Como era grande a sua alegria! O deus ressuscitado adentrava lentamente a igreja (quase sem crer) e acalentava mui amorosamente à única criatura devotada (lágrimas de luz na face renascida). Um Deus chorava de alegria diante da única adoradora. É por isso que dizem que tem gente que nasce de quina para a lua. São os únicos felizardos devotos de um deus esquecido.

A circunavegação prosseguia. Cosmos girando. Os anjos dedilhavam harpas e bandolins na festa; batiam asas enormes e azuladas; balançavam as aureolas luminosas, dançando e cantando, harmônicos. Depois de séculos a humanidade também voltara a lembrar-se deles, com crescente interesse. E os anjos voltavam a entregar suas profecias e a acudir os necessitados.

E assim os deuses seguiam em ciranda, legiões deles, nomeados e reconhecidos, geminados e irmanados, invocados e esquecidos, assumindo as conformações humanas, dignando-se ao fluxo das épocas... E as pessoas adentravam as mandalas e faziam suas escolhas. Escolhiam seus deuses, e junto, seus destinos.

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