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Contos-->Sem Meias Palavras -- 03/10/2001 - 22:54 (Marta Rolim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Julieta pensou. O pensamento veio leve e lépido, mas cifrado. Um código, um pensamento atrelado a um código, quase fundido. Julieta pensou em PALAVRAS. Sina de todo alfabetizado, de toda criatura que um dia aprendeu uma língua. O pensamento transmutado em dados símbolos, expresso em caracteres sonoros, ainda que o som seja inaudível, ainda que os caracteres sejam invisíveis, presos à mente com alicate e arame.

A mente atrelada às palavras como um cavalo à carroça. Bom ou mau, não há meio termo: Simplesmente é! Sem meias-palavras, sem meio tom.

Julieta sonhou. O sonho veio leve e lépido, mas todo cifrado. Imagens, símbolos oníricos, dizendo bem mais do que podemos supor, dizendo um quê quase além da alma, da própria identidade da coisa viva. As figuras fortes, as cenas impregnadas de cor e ação. Mas e as palavras? Estavam lá, na fala do homem e da mulher, aqueles que caminhavam sobre as águas; aqueles que se beijavam lânguida e ardentemente; aqueles que saltavam de um prédio e planavam como borboletas; tropeçavam e faziam a cama tremer! Eles falavam no sonho – as palavras estavam lá! - e diziam muito mais do que pudemos supor. No meio do cine onírico, os letreiros; os livros; a mãe ensinando; o pai explicando; os medos e gozos gritando. Sem meias-palavras, sem metades mal concebidas - quem dera que fossem menos concebidas; menos imperativas! O pensamento vivo e inteiro. Indubitável.

Júlio era diferente. Um iluminado, sensitivo. Herdara o dom da mãe, mas ainda mais aguçado. Tornou-se Pai de Santo. Lia as mentes, escutava as palavras da mente, àquelas que nunca são ditas aos olhos dos seres comuns. Escutava as palavras não ditas com a mesma clareza das pronunciadas. A boca da mente, tão nítida quanto o terceiro olho no meio da testa. Ele tinha um sonho: se libertar das palavras. Sonhava com uma mente que não falasse, uma mente que não dissesse, pelo menos não com esse nosso códice primitivo. Queria um pensamento mais elevado, um que fosse fluido e verdadeiro, sem palavras. Quem sabe um canto de pássaro? Quem sabe uma sinfonia querendo... querendo dizer tudo. Quem sabe as baleias nos ensinassem? Um outro jeito de ser, uma outra forma de apreender o mundo. Uma mente sem palavras.

O sonho do Pai de Santo ecoando... condicionado e limitado às palavras (às palavras, às palavras, às palavras...) O Exu respondeu, paciente: Sinto muito irmão, não há meias-palavras triturando a mente, não há meias-palavras atrelando teu pensamento, não há meias-palavras na tua sorte. Elas são inteiras e tomam conta de tudo! E Júlio disse para si mesmo, quase consolador, usando as palavras que não lhe faltavam nunca: quem sabe um dia?

E lá no meio do mar as baleias e os delfins cantavam um sentimento inteligente. Suas mentes curiosas e brilhantes enxergando um mundo que nos pareceria mágico. Livres, livres no oceano, compreendendo tanto mais. E eles não compõem versos e nem redigem histórias: a poesia está bailando em seus dorsos, saltando no ar e fazendo piruetas, mergulhando nos confins.

É por isso que Julieta e Júlio se encontraram um dia. Havia uma sintonia transcendente entre os dois: uma sem meias-palavras. Sem lógica verbal. Um quê de delfim nas almas oceânicas. Um pouco de amor intenso à deriva; um terceiro olho aberto, meigo, bem no meio das frontes; um querer mais; um pouco de fé nos horizontes... e mesmo havendo as palavras (milhares pululando, tão férteis e artificiais!) já não se importavam com elas. Casaram-se mudos: olhos nos olhos. Mais tarde tiveram um único filho e ele se tornou escritor. Sem meias-palavras.

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