Eu gostava de circular por uma parte da casa de meus avós que ficava meio escondida. Quando transpunha a porta em direção ao corredor de ladrilhos pretos e brancos, era com se entrasse num mundo fantástico: meus aposentos de princesa separados do resto do castelo.
Do alto, na janela da minha “torre”, dominava os arredores: via tudo o que se passava no quintal: enxergava as moças trabalhando. Uma ao lado do tanque torcia roupas e depois estendia imensos lençóis brancos no quarador. Outra juntava folhas do chão com a vassoura de piaçava, espantando galinhas que lhe atravessavam o caminho. No fundo, através de uma porta entreaberta eu distinguia o Ford de vovô estacionado na garagem. Dali também ouvia com clareza o apito do trem chegando e percebia pelo rumor das vozes a movimentação dos viajantes na estação. E quando o sino tocava avisando a partida do expressinho.
Às vezes assustava-me com tremor da “torre” vibrando junto com as rodas do trem. O assoalho do quarto literalmente chacoalhava.
Como única menina, era sozinha que ia para essas fantasias nos aposentos da princesa. Não levava boneca nem outros brinquedos. Recostava-me nos travesseiros da enorme cama de pau-marfim e esperava a mucama chegar com a bandeja cheia de biscoitinhos. Ou então, olhando-me no espelho do guarda-roupa, ajeitava as mangas bufantes do longo vestido igual ao da Branca de Neve. Debruçada à janela, avistava nas campinas ao longe um cavalo branco cavalgando...
A vida prosaica (e real), porém, é mais forte do que tudo e era o banheirinho ao lado que eu usava. Como fechadura ele tinha apenas um minúsculo trinco de correr. Um dia aconteceu o pior, não consegui abri-lo! Pus-me a chorar e a berrar, mas demoraram a ouvir-me. Desesperada, imaginei-me trancafiada ali para sempre. Se morresse, não haveria beijo de príncipe que me salvasse. Depois um tropel foi se aproximando e a voz de tio Oswaldo se sobressaiu: “Afaste-se da porta, vou arrombá-la”. O barulhão ecoa até hoje em meus ouvidos.
Lágrimas e soluços custaram a passar. Foi preciso beber muita água com açúcar e receber abraços e beijos até que me acalmasse.