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cronicas-->No reino de PIZZIA -- 28/05/2001 - 14:32 (K Schwartz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aos leitores:

Este texto está circulando na internet. Achei-o tão original que resolvi publicá-lo aqui - com os devidos créditos ao autor.





Fritz Utzeri
(Jornal do Brasil, 13/05/2001, Cad. B, p. 12)

"Eu, Utzerius Adeps, escrevo estas linhas hesitantes à luz de um candeeiro. Estamos na era das trevas e, graças à clemência da deusa Fortuna, nosso frio não mata. Falo de minha terra, a Pízzia, que está no escuro e é governada por um rei instruído, que parecia bem preparado: Henríkeos. Ele chegou ao poder em meio a grandes esperanças e, assim que sentou no trono, criou duas máximas: É fácil governar a Pízzia e esqueçam o que escrevi . O começo foi até bom e o povo o amava. Estabilizou o talento, moeda que andava fraca, mas logo fascinou-se pelo poder. Sua imensa vaidade tomou conta dele, turbou-lhe o raciocínio e as coisas começaram a dar errado.

O mal mais recente que nos aflige é a ira do deus Elektron, que faz sofrer meus olhos cansados, com a pouca luz que ilumina a ponta de meu cálamo. Elektron vive numa furna, perto de uma grande cachoeira, e tem o poder de trazer a luz ao povo de Pízzia, afastando o escuro e o medo. A refrega com Elektron começou quando o rei parou de construir templos para o deus e pensou em traí-lo, esquartejá-lo, enfraquecê-lo, retirar seu poder e entregar o segredo da luz a quem lhe pagasse. O deus, irado, secou a cachoeira e o povo de Pízzia começou a mergulhar em trevas. A situação de Henríkeos é má. A ira do deus da luz é mais um sinal dos céus de que algo terrível se anuncia. Os oráculos prenunciam tempos duros.

No areópago os legisladores brigam. Acemus, grande condestável e aliado de Henríkeos (houve até quem dissesse que ele governava de fato), começou a divergir do rei, acusando-o de ser benevolente com Corruptus, deus com muitos seguidores em Pízzia. Mas Acemus violou o segredo da urna sagrada do alto areópago e, imprudente, foi traído pela língua, jactando-se do feito a ninguém menos que ao Inquisitor Pravus, um dos procuradores mais perigosos do reino. Inquisitor contou aos arautos, que espalharam a nova pelas ágoras de Pízzia. Acemus viu-se acusado pelo crime e, sem saída, incriminou outro legislador (então líder de Henríkeos no areópago), Mendax Arrudius, de ter encarregado a vestal guardiã da urna sagrada de violar o segredo ritual dos legisladores, quando eles decidiam a sorte de um dos seus; um certo Estefanus, posto em ostracismo, acusado de cobrar mais do que gastava para construir templos, embolsar os talentos, e não entregar as obras no prazo, crime que já motivara a prisão do alto magistrado Lalausium. Em meio à confusão, e a uma série de episódios dramáticos, os legisladores encarregados de entregá-los ao julgamento dos membros do alto areópago ganham tempo enquanto decidem o que farão. Muitos querem perdoar Acemus, e evitar o seu ostracismo, mas têm medo do voto dos cidadãos que - revoltados - podem acabar banindo-os em breve, quando deverão escolher novos legisladores e um novo rei.

O sumo legislador do alto areópago, Jaderius, é acusado de ter-se apropriado do velocino de ouro - há quem diga que se trata de um suda(m)rio de ouro - para criar rãs sagradas, cuja maior propriedade é a de serem invisíveis. Jaderius duelou durante meses com Acemus, que queria impedi-lo de presidir o alto areópago. Jaderius e Acemus acusavam-se mutuamente de ladrões (e aos olhos dos cidadãos de Pízzia, ambos davam a impressão de dizer a verdade). O rei favoreceu Jaderius, que ganhou a luta por pouco tempo, antes de ser atropelado pelo aparecimento das rãs em fúria. Em Pízzia, uma praga sucede a outra numa velocidade espantosa. Nem no Egito de nossos avós viu-se coisa semelhante. Acemus, Mendax Arrudius e Jaderius ainda não foram julgados e já apareceu Bezerrus (igualmente de ouro) para confundir ainda mais as coisas. Alguns legisladores, inimigos e amigos de Henríkeos, pretendiam libertar os manes presos nos armários do palácio e esclarecer as muitas coisas estranhas que andaram ocorrrendo no reino. O rei se opõe. Diz que os manes devem ficar onde estão, pois sua presença espantaria uma entidade que passou a adorar, com fervor, um deus nórdico, estrangeiro: Investithor. Dizem-nos que esse deus é muito rico e Henríkeos acredita que vai resolver os problemas de Pízzia. O rei governa para Investithor. Seus templos, as argentárias, têm recebido generosas oferendas em talentos. Sacrificam-se os nativos em meio a descontentamento e barganha política.

Pízzia só resiste porque é uma terra de imensos recursos. Acusam o rei de ter comprado votos no areópago para mudar as leis e ficar mais tempo no trono, quebrando regras ancestrais. Outros falam em tenebrosas transações nas fundas minas de nossa terra, ou com os deuses que têm o poder de transmitir as palavras. Outros ainda, querem saber se há ouro subtraído do Tesouro em ilhas distantes, sob a proteção de um grande caimão, espécie de lagarto sagrado, que guarda segredos, vela por propriedades (e apropriações), sem jamais perguntar de onde vieram, e que é capaz de purificar qualquer coisa suja, como moedas e papéis. Enquanto isso, boa parte do povo de Pízzia não pode mais passear nas ágoras, que se tornaram verdadeiras éphodas, onde a vida dos cidadãos é ameaçada por foras-da-lei.

Os pizzianos assistiram à cruzada de Henríkeos contra os que querem exumar os manes e denunciar o que está acontecendo no país. Na última hora, o rei recomprou lealdades perdidas com 60 milhões de talentos de ouro. Tudo feito à meia-noite, hora de falar com espíritos (e facínoras), por artes de Jaderius; feitiço antigo, apreciado pelo deus Corruptus. Os manes indesejados foram, enfim, esconjurados e vão continuar sepultados guardando seus segredos para alívio de Investithor. Mas paira no ar um forte cheiro de podridão... A escuridão se abate sobre Pízzia, enquanto os cidadãos, estomagados, cantam velha música de antigo compositor: E o povo / já pergunta com maldade / onde está a honestidade? / onde está a honestidade?... Estamos a um passo de dizer que talvez Henríkeos não seja tão alheio assim à bandalheira, pois insiste em ignorar um dito sábio de nossos avós: quem não deve não teme . Enquanto isso, Tigris Magnus, em seu currus automatarius, grita a plenos pulmões ao bater sincopado do tambor: Omnia sub imperio exstant! ou, em tom de latinice: Totus dominatus est! (Tá tudo dominado!) Vivemos muito próximos da barbárie. Duros são os tempos que estes olhos cansados testemunham. Que os deuses nos protejam de tanta desgraça!"

Dá para acreditar numa história dessas? Esses historiadores antigos inventavam cada coisa...


Pequeno léxico para entender Historia antiqua:
Adeps: gordo
Ágora: praça
Areópago: assembléia de notáveis
Argentaria: banco
Cálamo: cana ou pena talhada em ponta, usada para escrever
Currus Automatárius: bonde, cf. Manual de conversação em latim moderno, de Davide Astòri (Ed. Avvalardi - 1995.)
Éphoda: ágora perigosa e suja. Em sànscrito antigo?
Latinice: uso presumido ou indevido do latim, falso latim
Magnus: grande. Tigris Magnus é Tigrão
Manes: espíritos ancestrais. Podem ser, por analogia, fantasmas ou esqueletos. Esqueletos no armário, significa coisa ruim que é melhor esconder
Mendax: mentiroso
Pravus: torto
Talento: antiga moeda grega e romana
Velocino: carneiro mitológico com lã de ouro.


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