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cronicas-->Ariano Suassuna* -- 24/07/2014 - 14:23 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ariano Suassuna*


COM ARIANO, O CAVALEIRO DE TAPEROÁ


Edmílson Caminha



Há livros que, além de grandes obras, são verdadeiros monumentos literários, como Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e o Romance d`A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Textos que, por sua força e por sua beleza, honrariam qualquer literatura. Ao contar as proezas de Quaderna, Ariano escreveu o nosso Dom Quixote, pela dimensão épica, pelo valor simbólico, pela essência humana com que a história atravessará os tempos como exemplar da nossa melhor criação artística.


Em 1989, procurei Ariano Suassuna no Recife. Não para entrevistá-lo - queria apenas conhecê-lo, apertar a mão de um dos nossos mais importantes romancistas. Estava na fazenda, informou-me alguém com o mais puro sotaque pernambucano. Seis anos depois, li nos jornais que Ariano viera a Brasília, participar de uma reunião nacional dos secretários da cultura. Telefono para o hotel, pergunto-lhe se posso vê-lo e nos acertamos para logo mais às dez, que ao meio-dia estará viajando de volta. Encontro-o na portaria, muito bem para os seus 67 anos, com o traje a rigor de que tanto gostava: calça de mescla e camisa também, abotoada nos punhos e no colarinho - um sertanejo autêntico. De paletó e gravata, o paraibano de Taperoá seria outro, não o parceiro de Quaderna nem o homem da Compadecida. Observe-se, porém, que o escritor não compunha um tipo, uma caracterização folclórica para se fazer notado. Ariano era aquele mesmo, simples e espontàneo, na modéstia com que costumava apresentar-se. Uma pessoa sem bondade, como gostam de dizer os nordestinos, num caso pitoresco de inversão semàntica... Procuramos um sofá, ali mesmo na recepção, e conversamos por mais de uma hora.


Quando lhe digo que A Pedra do Reino está para o Brasil como o Dom Quixote para a Espanha, lembra-se de que ouviu essas mesmas palavras da boca de Rachel de Queiroz. Faziam parte do Conselho Federal da Cultura, e sentavam-se três sempre juntos - Rachel, Guimarães Rosa e Ariano Suassuna. (Motivo bastante para que se preservasse o Conselho: se não chegou a fazer muito por nosso património cultural, ao menos reunia, para um gostoso bate-papo, três excelentes romancistas brasileiros). Pergunto-lhe pelo outro volume da sua trilogia romanesca, que começou com A Pedra, teve seguimento com O Rei Degolado e se encerraria com Sinésio, o Alumioso. Ariano desconversa, e conta que na verdade está reescrevendo toda a sua obra. Será uma grande história, dividida em partes, correspondentes a cada um dos romances:


- A Pedra do Reino é grande, são 625 páginas, porque eu falo muito, quando começo a escrever não consigo parar. De certa maneira, é um livro ultrapassado no tempo, as pessoas hoje não leem histórias muito longas, os jovens não gostam de ler. Na revisão que estou fazendo, consegui reduzir A Pedra para 290 páginas.


Quero saber da sua experiência com a televisão. A Globo estava pensando em transformar A Pedra do Reino em minissérie. Gostou da adaptação para a tevê da primeira peça que escreveu, Uma mulher vestida de sol, a emissora satisfez todas as suas exigências - quanto à música, aos figurinos, tudo. Já conhecia o diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem partilhou o roteiro. Foram juntos à casa da fazenda onde o romancista passou a infància, no sertão da Paraíba, a idéia era filmar tudo lá:


- Aí aconteceu uma coisa interessante, boa pra mim como nordestino mas ruim como autor da peça. Como você sabe, um dos personagens de maior força é o retirante, a figura que ambienta a história na seca. Quando chegamos ao lugar, havia chovido muito, estava tudo verdinho, não pudemos gravar nada... Decidimos, então, radicalizar, fazer o programa todo em estúdio, com cenários teatrais. Acho que ficou bonito, de uma beleza plástica muito grande. A Globo, na época, noticiou o especial dizendo que eu, finalmente, me havia rendido aos encantos da televisão. Dei uma entrevista afirmando o contrário: quem se rendeu foi ela, que aceitou todas as minhas condições...


Houve um tempo, confessa, em que desanimou da literatura. Foi quando publicou aquela carta, declarando que nunca mais escreveria. Recebeu, então, correspondência do escritor português António Quadros - que não conhecia pessoalmente -, dizendo-se admirador da sua obra, encantado com A Pedra do Reino, e fazendo-lhe a seguinte pergunta: um escritor que já deu romances tão significativos para a literatura da língua portuguesa tem o direito de calar-se? Começou a pensar sobre o assunto e acabou mudando de ideia. Esse, o compromisso que o levou a recusar, em 1987, convite de Miguel Arraes para que assumisse a Secretaria da Cultura de Pernambuco. "Se Euclides da Cunha fosse, no seu tempo, convidado para ocupar um cargo público, o senhor acha que ele teria servido mais ao Brasil do que escrevendo Os Sertões?", perguntou ao governador. "É, você tem razão, respondeu-me. Claro que não me comparei a Euclides, mas o argumento funcionou."
Daquela vez, porém, não dera para escapar: um dos únicos estados do Brasil em que a esquerda ganhara as eleições de 1994, convenceu-se de que Pernambuco precisava de um nome conhecido à frente da cultura, bem recebido pelo Governo quando viesse a Brasília à procura de verbas:


- Não tive como negar, e aceitei o sacrifício. Porque é mesmo um grande sacrifício, ter de parar tudo para me dedicar apenas à Secretaria. E nem tenho certeza se a decisão é mesmo boa para o povo e para a cultura do meu estado. É que eu não tenho muito jeito pra essas coisas - me preparei mesmo, a vida toda, foi pra ser escritor.
Antes que recorresse à frase para me enxotar, consultei o relógio e vi que abusara da sua paciência. No exemplar do livro em que lhe peço o autógrafo escreve, com a letra pequena e bem desenhada:


Meu caro Edmílson Caminha,
As palavras que você me disse sobre A Pedra do Reino estão entre as maiores alegrias de minha vida de escritor. Em meu espírito e em meu coração, elas vieram se juntar às de Rachel de Queiroz e às do escritor português António Quadros, como honrarias que causariam satisfação ao próprio Quaderna, em seus delírios megalomaníacos. Receba, portanto, com meu afetuoso abraço, os agradecimentos e a amizade de Ariano Suassuna.


Com o derrame que o matou aos 87 anos, parte não apenas o romancista admirável, mas também o brilhante dramaturgo, o poeta luminoso, o grande contador de casos. Cumpra-se, agora, a vontade expressa em um dos seus belíssimos sonetos, que, como réquiem, já ecoa no ermo dos sertões, onde um dia viveu, escreveu e reinou Ariano Suassuna, o Cavaleiro de Taperoá:


Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão - Sangue insensato e vagabundo -
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!


* Brasília, DF, 24/07/2014. Recebido, nesta data, por e-mail, da Associação Nacional dos Escritores (ANE).



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