Jogava conversa fora com o Rafa(el) - o segundo filho que gerei antes do último - na famosa, menos que formosa, rodoviária paulistana. Breve nos separaríamos. Eu, “back” to Brasília - ao invés da Bahia. Uma hora mais tarde, embarcaria ele para Floripa, SC, para disputar um lugar na praia onde alguém fincou a universidade local.
Senti uma certa tensão difusa pelo soma: este (digo, aquela) ora me passeava pela cabeça, ora visitava o meu peito, ora rugia no mesmo aparelho digestivo que conservo até hoje. Meu espírito de pai preocupava-se com quem? Com o meu filho, ora pois, lusitano de nascença que nunca fui! Como iria ele se hospedar na casa da minha querida prima Zeni, considerei meu dever inalienável despejar-lhe um indiscreto pacote de sugestões acerca da arte de bem comportar-se nessa situação generacional, digo, do gênero. “God”, quão ignaro sou!
Mais além do cumprimento de um dever, descobri o prazer de participar da criação daquele rapagão simpático, da construção da felicidade do meu filho dileto. Mas, súbito, senti ressoar no meu tímpano esquerdo – o que me veio, de nascença, atarrachado na entrada do labirinto correspondente e que, naqueles tempos de muito outrora, ainda funcionava bem, isto é, de forma claudicante – a melodia suave do Concerto para Violino e Orquestra de Beethoven, que, acreditem-me os parvos, o atleta aqui, ontem mesmo, descompôs.
Foi, então, que me dei conta - ôpa, meu! - de que diletos são, em verdade (“em verdade vos digo”, eu e Ele), toooodoooos os três filhos meus; aliás, produtores, eles próprios, dos meus três singulares netos. Isso além, muito além, dos quatro pais e três avós que herdei/me dei – do quarto, só conheci o bigode nietscheano, cujo olhar severo (foi aí que, em 1954, descobri que bigode também tem olho!) me fusila cada vez que invado a sua chácara inexistente e privada, situada na parede do escritório de papai, em plena rua Almirante Tamandaré, lá pelas bandas do bairro de Nova Jerusalém, RJ/RJ.
Quanto ao Rafa, devo, na maior seriedade, louvar a sua bendita disposição, e educação, de ouvir-me – já uma grande vitória para “pais caretas como o papai” aqui! Alegrei-me com a idéia de que aquelas não terão sido palavras vãs, se e somente se, em alguma medida, puderem ser-lhe de serventia. em algum momento dos próximos cincoenta anos, quando - à falta de clorofila, melatonina “et caterva” - minhas energias já se terão budicamente “desagregado”.
E, assim, desvairadamente perdido entre o dever e o prazer de ser pai, surpreendi-me com o perfil angelical do meu filho, sua tez morena e as veias azuladas, algo salientes, que desenhei na sua testa e fronte. Tive ímpeto de agarrá-lo à força, abraçá-lo e beijá-lo naquele exato instante, mas, tímido que já fui, contive-me, ainda que vertendo - disfarçadamente - lágrimas rodrigueanas, isto é, de esguicho.
De repente, o choque de realidade. Eram palavras vindas do Rafa, que interrompeu o meu enlevo para lembrar que o meu ônibus partiria dentro de quinze minutos. E lá fomos nós, oscilantes, carregando nossos pertences, em direção à plataforma de embarque. Assim, tive de mandar remendar o meu coração ao vê-lo tão jovem, vergado sob o peso de malas tão gordas, inclusive a minha – este coroa 66,75 quilos mais balofo do que quando foi parido, prematuro, ou seja, mal acabado.
Como em qualquer estação rodoviária de cidade grande que não se preze, defrontamo-nos no local, de imediato, com uma oxidante e insuportável dose de poluição. Para poupar meu filho, despedi-me assim que o meu autobus particular chegou e minha volumosa bagagem foi despachada, de volta, para o útero do dito cujo. Que despedida gostosa, a do meu filho! – pois, dentro do seu abraço, ele embalava, com o dele, o meu corpinho de criança.
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