"O grande homem é aquele que
não perde o coração de criança." *
O que é um menino-criança, criança-menino? O capetinha que põe cabelos brancos nas mães? Que é inocência e comovente ternura quando a abraça e diz: "- mãi, ti amo!" ? Seja o que for, a lembrança da aurora da vida de vez em quando vem visitar os adultos. São inúmeros os depoimentos.
Para o "seu" João da Quita, ex-comandante de transatlàntico e hoje pescador diletante em Itanhaém, a saudade da infància brotou depois dos 70. Os anos de labuta forçada desde a primeira idade adiaram o sentimento de perda da meninice. Criança pobre, saltou das fraldas para o mundo dos adultos. Para o poeta Casimiro de Abreu a dor veio mais cedo, pouco depois da adolescência. Na maturidade, Victor Hugo cantava a primavera da vida: "Oh souvenirs! printemps! aurores!". Cecília Meireles escreveu que "... nossa infància é o último esquecimento, derradeiro consolo e suprema poesia de nossa existência. Tudo o mais pode cobrir-se de sombras, nossa infància será um sol nítido, mesmo quando não haja sido tão brilhante, nem feliz". O ator Lima Duarte lembra que se sente feliz porque acalenta continuamente seu jeito menino, mantendo-se no "...delicado fio entre a fantasia e a realidade" o que o ajuda a enfrentar a rudeza da vida.
A vida ou o jeito de ser nos faz diferentes na percepção do tempo e da perda da riqueza do mundo infantil. Há algo de mágico no broto da vida, tão sensível que fez Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) abandonar seu estilo divertido e anárquico, ao afirmar: "Pobre daquele que não guardou consigo um pouco da infància". Até Paulo Francis se fez humilde e admitiu que "a infància é só um instante, mas contém uma chama que se leva para a vida toda". Mais recentemente, Lya Luft assinalou que "A infància deixa rastros em nossa memória, como sulcos num rosto ou num campo lavrado". E se bem me lembro, Goethe ensinou que a "...infància é a visão da imortalidade."
Saudade, resgate da inocência, instinto de eternização, fuga à s imposições da vida? Não sei!... Mas, parece que guardamos alguma saudade e em algum momento da vida experimentamos a ausência dos leves tempos da meninice: quando tudo é nada e o tempo não existe; quando o que é... É aqui e agora, sem o ontem ou o amanhã, nem passado nem futuro...
E, naquele dia em que pescávamos no mar com os tripulantes do iate do "seu" João ao largo da Juréia, o amigo Nê - casmurrento e de pouca prosa, que anda pela casa dos quarenta -, a seu modo um filósofo, revelou, nostálgico:
-Lá no céu deve ter um jeitinho da gente voltar à infància e fazer tudo aquilo que a vida roubou!